Terça-feira, 19 Março

«A bras ouverts» (De Braços Abertos) por Jorge Pereira

Depois do sucesso comercial que representou Que Mal Fiz Eu a Deus? (vem aí a sequela), o realizador Philippe de Chauveron volta a reunir no grande ecrã os atores Christian Clavier e Ary Abittan para mais um choque cultural numa típica comédia de costumes. Mas se o primeiro filme vivia dos lugares comuns mas conseguia a espaços divertir no seu tom caricatural e satírico politicamente incorreto, a fórmula mostra-se por aqui totalmente esgotada, caindo-se nos mais diversos estereótipos abusivos que revelam preconceito, racismo e, numa segunda linha, bem mais recatada, a misóginia.

Jean-Etienne Fougerole (Clavier) é um escritor inteletual (personagem provavelmente inspirada em Bernard-Henri Lévy) que num debate televisivo com um conservador é desafiado a testar o seu “humanismo” e a aceitar na sua casa os mais necessitados, algo que acata, sendo horas depois confrontado com um grupo de ciganos que quer ir viver com ele e com a esposa. Apesar de se tentar esquivar do que assumiu na TV, eventualmente ele aceita, sendo a sua mansão invadida pelo grupo, o que vai provocar uma colisão de tradições com consequências inimagináveis.

De Braços Abertos partilha alguns elementos com o recente Le Grand Partage (Bem-Vindos… Mas Não Muito), filme de 2015 que colocava os habitantes de Paris com apartamentos com determinada dimensão a terem de aceitar em casa os sem-abrigo que penavam nas ruas com o inverno muito rigoroso. Tal como nesse filme, os burgueses intelectuais de esquerda são visados e retratados como uns hipócritas que falam de barriga cheia do estado social, mas que quando lhes calha a eles contribuir individualmente, esquivam-se como o Diabo foge da cruz. E claro, sofrem de infidelidade crónica. Mas o filme de Chauveron vai muito mais longe no retrato dos que estão do outro lado. Por aqui, os Roma são “Feios, Porcos e Maus”, caracterizados com os piores chavões que possam imaginar, mas essencialmente resumidos a uns porcos, ladrões, pedintes e abusadores da boa vontade alheia.

Não o vamos fazer, mas poderiamos entrar aqui numa discussão politica e social sobre o tema, como aconteceu em França (ou em Portugal recentemente, por outras razões), onde provocou grande polémica pela proximidade da sua estreia com as eleições presidênciais (muitos definem a fita como uma propaganda à Frente Nacional), e pelo teor discriminatório  e humilhante do retrato da comunidade Roma, onde até o cineasta Toni Gatlif veio a público se manifestar contra o filme, que inicialmente tinha o nome “Sivouplééééé“.

Em vez disso, e apesar de considerar todo esse retrato “dégueulasse”, façamos um exercício. Vamos esquecer isso e analisar a fita como Cinema per se. Isolando só isso, De Braços Abertos é paupérrimo e ausente de qualquer momento de humor inteligente, resume-se a fórmulas e lugares comuns na sua história e personagens, a uma sucessão de planos banais que cabiam em qualquer produção televisiva, e com interpretações que não passam de atores em modo automático, sketch após sketch.

Dito isto, De Braços Abertos não é só perverso ideologicamente, mas verdadeiramente reles como proposta da 7ª arte.


Jorge Pereira

 

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