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«I Don’t Feel at Home in This World Anymore.» por André Gonçalves

A auxiliar de ação médica Ruth já não está bem na sua solidão, mas acaba por ter um dia capaz de confirmar o seu pessimismo na Humanidade. Primeiro, uma paciente morre-lhe à sua frente a praguejar contra a tv; no bar, enquanto está a ler um livro, alguém decide contar-lhe o que acontece; no jardim da sua casa, um vizinho deixa um cocó de cão; e para culminar, alguém decidiu assaltar-lhe a casa, levando: a) um portátil; b) um faqueiro da falecida avó; c) medicamentos. Este acontecimento emparelhado com a atuação negligente da polícia, transforma-a de vítima a vigilante. Decide então fazer justiça pelas próprias mãos, chamando como ajudante o vizinho (o mesmo do cão).

I Don’t Feel at Home in This World Anymore, vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance, tenta assim trazer a comédia clássica de buddy cop para um novo território – até porque, para começar, não temos dois polícias, mas sim um homem e uma mulher sem qualquer poder para fazerem o que efetivamente vão fazendo. E aqui, o duo improvável de Melanie Lynskey e Elijah Wood (dois atores curiosamente catapultados para a fama ao protagonizarem obras de Peter Jackson, que infelizmente não capitalizaram tanto como os respetivos colegas) por si só vale um visionamento.

Shane Black (o autor de Arma Mortífera, Kiss Kiss Bang Bang e The Nice Guys) poderá ficar orgulhoso com esta “cópia” elogiosa – a primeira longa metragem do ator tornado realizador Macon Blair vai encontrando aqui humor como fruto de uma violência nada preocupada com classificações etárias, sabendo que de qualquer das maneiras, o seu público alvo primário estará nos jovens adultos.

Esse tom de recusa de autocensura é sempre refrescante, sem dúvida; assim como o distanciamento do molde “Sundance” de família disfuncional (aqui, é mesmo a família, em modo figurante, a cola que ainda mantém a personagem principal à tona). Ainda assim, o filme acaba ironicamente por ceder a moldes já muitas vezes trabalhados de um ponto de vista narrativo, ficando no final a sensação de que o factor violência serviu também ele como distração de um curso previsível e com a sua quota de cedências, estando a mais ofensiva reservada para o minuto final.

André Gonçalves