Quinta-feira, 18 Abril

«Sage Femme» (Duas Mulheres, Um Encontro) por André Gonçalves

A consciência da mortalidade próxima leva-nos a tentar ligar elos do passado. Béatrice é precisamente quem, depois de descobrir um potencial fim, se apercebe que não tem ninguém mais próximo que aqueles que abandonou, e assim telefona a Claire, uma parteira e filha do grande amor que deixou escapar, para saber notícias da família que um dia largou.

Martin Provost volta assim a abordar um mundo onde as mulheres comandam a narrativa (depois de dramas como Seraphine e Violette). E escolheu duas Catherines capazes de darem conta do recado: Catherine Frot, e esse património cultural mundial chamado Catherine Deneuve.

Frot interpreta para todos os efeitos a personagem titular (Sage Femme, ou Parteira, no título original), reúne assim maior tempo de exposição e é efetivamente o alvo de transformação do início ao fim, e fá-lo com um profissionalismo generoso, que não chama para si atenções. O que nos traz então a Deneuve… e à sua personagem aparentemente mais secundária, mas que é quem aqui conduz o camião que transporta a narrativa.

As “más influências” de Béatrice são 100% responsáveis pelo late coming of age da parteira Claire; os seus diálogos foram meticulosamente criados para abanar o cenário (mérito também de Provost aqui, claro), tão dirigidos para a “parceira” sóbria como para o espectador. E Deneuve entrega-os com uma voracidade estonteante, à altura do “falso ícone burguês” da sua personagem.

E claro, Provost sente isso: sente o potencial da atriz em cumprir o papel transformador da personagem sobre a protagonista e sobre nós. E assim, marca a sua entrada em cena com um suspense de quem sabe que o que aí vem, vem-nos também abalar, e a sua saída, numa forma já não física, como a saída de cena efetiva do filme; num final, se previsível desde o primeiro ato, de uma ternura, de uma minitranscendência dramática merecidíssimas. Resumindo e concluindo: um pequeno grande filme, em plena harmonia com o pequeno mundo construído, dominado por um grande regresso.

André Gonçalves

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