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A Lua de Júpiter: levitando ao encontro da sua autêntica voz

Há um elefante nesta sala. Para ser mais exato, um elemento fantástico em Jupiter’s Moon. Sem ele, tudo isto seria somente mais uma gota nesta chuva de propagandas à mais recente crise de refugiados na Europa. Vanessa Redgrave e Sean Penn, dando exemplos recentes, cumpriram a sua parte, dois privilegiados regidos por “pedagogias” e cedidos ao show off de um intenso “moral high ground”. Korneél Mundruczó saiu mais astuto no quadro. O manuseamento de um elo de ficção cientifica “barata” atenua qualquer veiculo propagandista evidente, mas mesmo assim não evitou a moralidade cristã e redentora, um monocromático maniqueísmo que nos atinge sob a forma de bom samaritano.

Esta “Lua de Júpiter”, a Europa, é um paraíso vivente, assim induzido na mente destes foragidos, refugiados vindos dos diferentes cenários bélicos da cintura arábica (a razão porque a Primavera Árabe é uma mera miragem no deserto). Entre o grupo que sonha alcançar a fronteira húngara, está Aryan (Zsombor Jéger), um jovem com um dom muito especial. Dom, esse que descobrirá da pior maneira, quando durante a sua fuga é abatido pela patrulha da fronteira. Contudo, Aryan miraculosamente sobrevive e adquire a habilidade de levitar, um fenómeno que surpreenderá Stern (Merab Ninidze), um médico de um campo de refugiados (as semelhanças com um campo de concentração não são fruto do acaso) que encontra no rapaz a solução para os seus problemas financeiros. A partir daí, arranca uma caça ao homem, e a redenção de outro.

Bem vistas as coisas, Jupiter’s Moon é um filme de uma ideia só e o argumento falha ocasionalmente na sua coerência, do mesmo jeito que indicia em paragens bruscas tecidas na tão dita moralidade, debitada como “lições” gratuitas. A religião, nomeadamente a cristã, entra em conflito com os bons costumes e com a natureza da temática sequestrada. É perigoso falar de crenças num filme que nos remete a um episódio ligado às submissões divinas. Contudo, e tal como aconteceu com White God (Deus Branco), Mundruczó volta a beneficiar da técnica como o “must” de toda esta jornada.

Jupiter’s Moon usufrui dos efeitos visuais, dessa manipulação, com castidade, sem nunca ceder ao artificialismo digital. A levitação, o “super-poder” do nosso Aryan, é credível e ocasionalmente fascinante para o olhar. Episódios devidamente simbióticos com a sua musicalidade.

Por outro lado, Mundruczó, que já havia demonstrado na obra anterior, assume-se como  um rigoroso ilusionista no que concerne a manusear esses campos do fantástico. O visual em prol das longas sequências de fazer “apalpar” a cenografia, os travellings exibicionistas, bem ao gosto de Gaspar Noé, Iñarritu e até Tykwer, tudo engendrado num estado de crescente fúria, com uma música rompante que faz perpetuar a tendência de um vigor aprumado.

Por fim, aquela trabalhada perseguição automobilística em um shot é de fazer inveja a muita produção hollywoodesca (e de géneros estabelecidos). Sim, Jupiter’s Moon, apesar dos seus grandiloquentes defeitos, é um filme que entrará num certo estado de graça, nem que seja pelo primor técnico que o serve como andaime. Talvez esteja a ser optimista, mas vejo aqui um futuro culto.