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«Raw» (Grave) por André Gonçalves

Grave, a primeira longa-metragem de Julia Ducournau chega ao IndieLisboa após uma carreira “festivaleira” no último ano onde gerou o estatuto de filme-choque, capaz de gerar desmaios e vómitos, e que levou até cadeias de cinemas a oferecer sacos de vómito para os seus espectadores

Tanto “hype”, tanto aviso, sugeria que se entrasse para a sala de cinema preferencialmente em jejum. E de facto, Grave é, sim, uma experiência nauseante, imprópria para espectadores sensíveis a um “gore” realista – i.e. tecnicamente bem convincente (isto não é Evil Dead). E isto, por si só, justifica as manchetes. No entanto, Ducournau não está simplesmente interessada em chocar… 

Ao filmar a trajetória de Justine, uma jovem vegetariana prestes a iniciar o seu curso de Medicina Veterinária, que, numa praxe, se vê forçada a comer carne crua (animal) e assim revela uma faceta carnívora (canibalesca) face ao mundo em redor, a realizadora revela desde cedo um talento inegável atrás da câmara, quer na produção de planos que mimiquem o caos e o choque vivido pela protagonista, quer na relativa contenção com que nos conduz aos momentos-chave (o que os americanos costumam apelidar de “money shots“). E por falar nesses momentos-chave, o melhor/pior e mais antológico calha logo a meio do filme, fruto de uma depilação às virilhas que corre mal, e constitui de facto um teste crucial à resistência do espectador. 

Esta não deixa de ser uma história, como muitas, da passagem da adolescência à idade adulta, e o paralelismo feito entre a mudança de dieta, da adoção de um estatuto predatório incontornável por uma questão de sobrevivência (e do canibalismo enquanto droga), e de como na nossa sociedade atual (e nas faculdades) somos forçados a devorar-nos para sobreviver, são metáforas/ligações por si só capazes de gerar um debate fora da sala, e de livrar o filme de acusações de gratuitidade.   

Como nota mais negativa, mas típica de primeiras obras, existiu aqui uma preocupação excessiva em mostrar planos premonitórios (“foreshadowing“), que tornam alguns atos previsíveis por antecipação. Dito isto, estou a bordo daquele que será certamente um dos filmes de culto a reter deste ano.  

O melhor: o choque visceral

O pior: algumas premonições excessivas tornam os eventos finais mais previsíveis 

André Gonçalves