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Ma Loute: o “acting” como demarcação social

Bruno Dumont é o senhor do burlesco, a pitoresca caricatura que adquire a absoluta forma cinematográfica, e conseguiu transmitir tal aura em “Petit Quinquin”, uma minissérie que tentou a sua sorte como longa-metragem (uma longa, mas relevante metragem da sua carreira). “Ma Loute”, por outro lado, segue a passos essa marca estabelecida, remetendo-nos a um enredo da Belle Époque, onde o início do século parecia revelar-se num magnífico quadro de aristocracias mecanizadas, porém, iludidas a uma miragem. E essa mesmo, resultando sob ecos da Revolução Francesa, o poço cada vez mais fundo que separa classes. Tema que persegue o espírito “gaulês”, os franceses teimam em focar nas suas fitas a divergência recorrente no Cinema e “Ma Loute” não é exceção. Só que, vejamos, a linguagem é simplesmente outra.

Em 1928, Louise Brooks, atriz norte-americana, chegaria à Europa para se concentrar num novo rumo da sua carreira. Entre os filmes que desempenhou no Velho Continente, destaca-se “Pandora’s Box” (“A Boceta de Pandora”), onde interpretava uma sedutora, os primórdios da crescente imagem da femme fatale. A sua arma de sedução era uma, o seu método de desempenho, algo vincado no realismo dos atos que entra em contraste com o drama teatral dos atores europeus da altura. E foi nesse contraste que soube-se criar uma nova linguagem narrativa, a linguagem derivada da interpretação. Anos mais tarde, Federico Fellini concentrou em atribuir um tom quase alienígena para a burguesia pseudo-cultural representada em “La Dolce Vita”, seres estranhos que se destacavam do resto do Mundo em constante decadência pelos seus respectivos e gravitacionais egos que os isolavam às suas fantasias anteriores.

Em “Ma Loute”, a tal linguagem narrativa encontra-se perfeitamente estabelecida nesta diferença de classes, nota-se o “underacting” dos camponeses deste vilarejo costeiro, e o “overacting” da aristocracia que eventualmente surge em cena, com Fabrice Luchini e Juliette Binoche à cabeça. O ridículo das sequências protagonizadas servem, não como um veículo de comédia, mas como uma reflexão de um grupo em vias de se extinguir, portanto perdoa-se os veios oníricos e o paradoxismo que se escuta como brisa marítima neste filme que resiste à sua memória. A memória de um cinema sem medo da reprovação do espectador, um cinema que ergue a visão do seu autor em prol de uma mensagem, do que providenciar um género, neste caso, como fora caído em erro, a comédia como um círculo fechado. Não, “Ma Loute” espelha uma diversidade de tons que desaguam para um exercício de alienação interpretativa, aliás o foco dessa crítica é tão evidente, a burguesia iluminista é somente uma espécie extinta, só que ainda não haviam percebido tal desaparecimento.

Contudo, nem tudo é perfeito. Dumont tende a cansar com o seu registo. Os tons perdem fôlego e a partir daí é óbvio que dialoga cada vez mais alto. É então que, sem conseguir segurar a tragicomédia de gostos nos carris, “Ma Loute” verga-se pela caricatura fácil, principalmente no seu grande comic relief, que à imagem do anterior “Petit Quinquin”, é uma homenagem aos clowns que perpetuam na nossa memória cinéfila. Se em “‘Quinquin” era a alusão dos Irmãos Marx a resultar na autoridade, em “Ma Loute” são os clássicos Laurel Hardy sob iguais causas. São momentos deliciosos, envolvidos num humor de camadas que vai desde o godardiano acaso de um “Pierrot Le Fou”, até ao inglês non sense e absolutamente metafórico dos Monty Python.

Sim, é um doloroso sorriso que nos faz esquecer por momentos que a tragédia vive em nós, ou será antes, a tragédia num novo tipo de comédia?