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«The Autopsy of Jane Doe» (A Autópsia de Jane Doe) por Jorge Pereira

 

Depois de ter dado nas vistas com O Caçador de Trolls, um ensaio found footage que de forma imaginária pressupunha a existência das criaturas míticas do imaginário nórdico, André Øvredal remete-se a um trabalho de menor escala com A Autópsia de Jane Doe.

Por natureza, as morgues são por si só antros macabros no cinema, locais psicologicamente frios, física e emocionalmente, onde pernoitam os mortos e normalmente se aterrorizam os vivos.

Ainda há bem pouco tempo surgiu um filme que jogava bem com o confinamento do espaço, a sua mistica, a sua claustrofobia e os demónios prestes a serem ostracizados através da mais pura das vinganças. Falo de O Cadáver de Anna Fritz [1], um belo exemplar do cinema de terror minimalista catalão que criava, com escassos recursos, uma verdadeira turbulência emocional do primeiro ao último minuto.

Neste A Autópsia de Jane Doe, às limitações do espaço (praticamente todo o filme se passa na sala de autópsias ou nos corredores da morgue), o realizador acrescenta um ponto emocional empático, ao colocar como protagonistas um pai e um filho, Tommy (Brian Cox) e Austin Tilden (Emile Hirsch), médicos-legistas numa pequena cidade norte-americana. Quando surge o corpo de uma jovem não identificada, que aparentemente foi brutalmente assassinada e encontrada na cave de uma família, os dois metem-se ao trabalho e à medida que vão tentando deslindar a causa da morte daquela mulher (Olwen Kelly), vão percebendo que há elementos que não fazem sentido e desafiam mesmo a ciência, o que os leva a crer que não estamos perante “uma morte” comum.

O melhor de A Autópsia de Jane Doe é que as personagem e situações fogem a muitos dos estereótipos do género. Os nossos protagonistas são homens da ciência, inteligentes e escapam ao cliché das personagens superficiais a terem atitudes inconsistentes e irracionais devido à fonte de terror e ao pânico instalado. Øvredal coloca assim duas personagens confrontadas com algo que ultrapassa a lógica (a ciência), sem nunca cair no erro de ceder a exageradas explicações, estórias, lengalengas espirituais e sustos baratos. Em vez disso, o filme prefere a início a sugestão, aprofunda-se com mistérios atrás de mistérios, nunca esquece algum humor negro, e culmina num ambiente de tensão, ficando o espectador com a sensação que a história não ficou por ali – naquilo que é a sua maior fraqueza, dada a previsibilidade.

De resto, é curioso ver que Øvredal fez, de certa maneira, o percurso inverso dos cineastas europeus, que a maioria das vezes se destacam por pequenos filmes locais e migram para Hollywood em projetos de maior dimensão. Neste caso, A Autópsia de Jane Doe é bem mais contido e menos ambicioso  que O Caçador de Trolls, mas curiosamente funciona melhor. 

O Melhor: A tensão, as personagens atípicas (verdadeiramente inteligentes) num filme de terror, o não cair em grandes explicações (apesar delas existirem no último terço)
O pior: Aquele final a puxar para mais um filme…


Jorge Pereira