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«BR 716» por Duarte Mata

Interessante e estimável exercício anacrónico para estes dias, onde o realizador Domingos Oliveira segue um grupo de jovens boémios e as festas que realizam no apartamento do título, BR 716 (a sigla refere-se à rua Barata Ribeiro, em Copacabana), no Brasil da década de 60, focando-se nas atribulações amorosas e laborais de Felipe (Caio Blat, num alter-ego assumido do cineasta), antigo estudante de engenharia e aspirante a argumentista.
 
É de facto aliciante o saudosismo que Oliveira remete para a Nouvelle Vague, a referência mais óbvia que se pode apontar ao filme, já que a ação reside essencialmente nas discussões de cariz político anticapitalista entre as várias personagens, mas também no sexo e nas aspirações individuais do triângulo amoroso central formado por Felipe e duas mulheres (Sophie Charlotte e Maria Ribeiro), com algumas referências literárias e muita da energia coloquial da época. É nos atores e na forma irrepreensivelmente orgânica como estão dirigidos que reside a força da obra, principalmente no duo Caio-Sophie, onde o primeiro é o designado “vencido da vida”, que tem tanto de risível como de comovente, e a segunda uma revelação extraordinária, genuína musa cinematográfica, que ora nos lembra de Anna Karina, ora nos recorda de Anouk Aimée e com um interlúdio musical que nos rememora a concupiscência inata de Rita Hayworth (afinal, a personagem chama-se Gilda).
 
Há bastantes semelhanças com o Masculino/Feminino de Godard, filme que já abordava a problemática das relações em menáges e envolvendo uma juventude tão dissipada de responsabilidades como a que aqui nos é apresentada. Mas há também o outro lado mais crítico, aquele de A Doce Vida, já que o apartamento em permanente estado de orgíaca ebriedade parece roubado do clímax do clássico italiano (e não por acaso, ambos culminam numa praia a fazer de metáfora fria para a irreversibilidade do tempo). Mas, apesar de tudo, sacrifica os seus lados mais intervenientes em prol de uma viva ode nostálgica à amizade e à fraternidade de gerações passadas.
 
Ainda assim, apesar de toda a simpatia que se nutra pelo projeto, há um problema com o tratamento de imagem, por vezes, próximo do low-budget, com um preto-e-branco francamente desfasado da textura digital com que as cenas são filmadas, desvalorizando a luz e com uso de grandes angulares terrível em alguns planos grotescos. Mesmo a edição, tem momentos no princípio onde duvidamos da seriedade do projeto. Oliveira deveria considerar reestruturar a sua equipa pois, queremos mais filmes assim, mas também os queremos melhor filmados.
 
O melhor: A direção de atores e a veia da Nouvelle Vague.
O pior: A fotografia.
 
Duarte Mata