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«Fences» (Vedações) por Jorge Pereira

O carisma e a eloquência dos textos e das interpretações são aquilo que se destaca nesta “adaptação” ao cinema de Fences (Vedações), um projeto de sonho de Denzel Washington, o qual pegou na famosa peça de 1983 (que teve direito a um “revival” em 2010) e a colocou na rota dos prémios da Academia, atuando e dirigindo.

Com o guião escrito pelo próprio autor, antes de falecer em 2005, o vencedor do Pullitzer August Wilso, Vedações é uma viagem ao seio de uma família nos anos 50, onde o patriarca Troy Maxson (Washington) assume um papel duro e cínico no desenrolar de todos os eventos.

Este é o típico patriarca marcado pelo passado – ausência paterna – e que transporta para os filhos a inflexibilidade, a dureza, o sentido pragmático e a disciplina, de forma a que estes evitem as desilusões que o mundo possa trazer, como aconteceu com ele e que a certo ponto até o levaram para maus caminhos. Veja-se um diálogo que a certo ponto ele mantém com Cory, o seu filho mais novo, aonde realça que não precisa de gostar dele, já que lhe coloca comida na mesa e dá-lhe um tecto para dormir.

“It’s my duty to take care of you, I owe a responsibility to you, I ain’t got to like you!”

Na verdade, Troy relaciona-se com a família numa espécie de obrigação e responsabilidade da qual não pode, não deve, nem quer fugir. O seu olhar para o futuro é meramente de sobrevivência. O mundo avança, mas ele já vem tarde e conforma-se com o que tem: apenas responsabilidades, as tais que o levam a entregar o dinheiro que ganha em casa, ficando com o que resta.

É nos relacionamentos de Troy – com amigos, com os filhos, com a esposa, com o irmão, e com a sociedade e o estado das coisas em geral – que o filme avança, embora nunca se deixe de pensar que mais do que uma verdadeira adaptação ao Cinema da peça, estejamos perante uma obra presa e em profunda vassalagem com as suas origens. No fundo, Vedações é a peça em película, mantendo a intensidade dos textos e atuações como a verdadeira tour de force.

Cenários e técnicas cinematográficas estão assim reduzidos ao estritamente necessário para carregar o texto e as prestações dos atores, residindo neste último aspeto o maior impacto. Embora todo o elenco esteja em grande forma, Washington e Viola Davies revelam-se verdadeiras forças da natureza capazes de trespassar para o espectador as mais variadas sensações, como a culpa, a desilusão, a resistência, a resiliência, mas também a compaixão.

Claro está que, de forma inevitável, no meio disto tudo, observamos igualmente uns EUA ainda presos à descriminação racial (frisado logo nas primeiras palavras do nosso homem do lixo), mas principalmente vincados por uma cultura misógina enraizada numa sociedade da época que encara tudo com o sentido de “normalidade” e inevitabilidade.

Por tudo isto, Vedações merece ser visto, embora este ganhasse numa linguagem cinematográfica mais vincada e menos contemplativa ao material original. É que se algumas vedações servem para manter afastados elementos estranhos, outras servem para travar as pessoas e as coisas de ver o mundo além do seu quintal.