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Jackie: o fim do conto de fadas

As pessoas gostam de acreditar em contos de fadas“, diz-nos na última bobine de filme a Jacqueline Kennedy do chileno Pablo Larraín, para posteriormente rematar com: “Acredito que as personagens que lemos na página acabam por ser mais reais que os homens que estão ao nosso lado“.  É precisamente esta contradição, este binómio fantasia/realidade da própria imagem pública que temos de uma celebridade, entre o que é vivido no privado e a imagem pública que é projetada (e que se torna real) que Larraín explora, e explora de uma maneira bem refrescante, sobretudo quando comparamos esta sua abordagem à tendência generalizada de pegar numa figura e contar a história de vida e morte desta. 
 
Não se trata também de reviver eventuais teorias da conspiração sobre o assassinato do Presidente; é uma história puramente sobre o luto de uma mulher, um drama de fazer corar muito realizador pela não-exploração da tragédia, enveredando, sim, por uma sequência de conversas. A do jornalista para Jackie, de Jackie para o Padre (um John Hurt ainda mais tocante que o costume, dada a sua morte recente), e entre Jackie e a sua secretária (Greta Gerwig) ou Bobby Kennedy (Peter Sarsgaard), alternando também as memórias de um programa televisivo onde a então primeira dama se encarregou de mostrar a Casa Branca ao povo norte-americano, e claro, a memória do infame dia do atentado, do funeral e da marcha fúnebre. Tudo isto em apenas hora e meia de filme. 
 
O anterior filme de Larraín, “Neruda” (que ironia da distribuição, chegará umas semanas mais tarde no nosso país) já tinha mostrado ao mundo que o chileno não está interessado em “biopics” convencionais. Mas “Jackie” parece a este escritor uma obra mais eficaz na sua gestão narrativa, e estranhamente – dado que estamos agora em solo norte-americano – ainda mais liberta.
 
 
Larraín e a cinematógrafa Stéphane Fontaine investiram claramente o tempo necessário para nos colocar sem quaisquer dúvidas na era de Kennedy (anos 60), ajudados claro está pela direção artística e pelo guarda-roupa. A banda sonora de Mica Levi (“Under the Skin [1]“) vai ali ajudando a pontuar a estranheza destes tempos (e a estranheza geral deste dito “biopic” que rejeita rotulações) e a sensação de perda. Pese a solidez o elenco de secundários acima referido, Natalie Portman é obviamente “a” performance do filme – a sua mimetização sem quaisquer erros evidentes da própria performance pública de Jackie acaba por acrescentar perversidade a uma película que, não escapando a inevitáveis acusações de artificialidade (ou até de ser um objeto embalsamado), me pareceu mais real (i.e. sincero) e fascinante no seu retrato de um retrato e na sua relativa liberdade criativa que as biografias “factuais” e “verdadeiras” que fomos vendo nos últimos anos…