Quinta-feira, 25 Abril

«Manchester By the Sea» por Hugo Gomes

Dramaturgo, argumentista e agora realizador (contando com três obras no curriculum), Kenneth Lonergan parece cada vez mais chamar a atenção no campo dramático do cinema norte-americano atual, e não é por menos. Manchester By the Sea é-nos apresentado como uma faca afiada de enfâses dramáticas e picos de emotividade através da, e somente, a adaptabilidade dos seus atores, neste caso especifico, Casey Affleck.

Irmão mais novo da reascendente estrela de Hollywood, Ben Affleck, Casey é aquilo que vulgarmente poderíamos denominar de “ninja”, ninguém parece dar por ele, mas quando por fim se revela, é arrebatador. É difícil ficar indiferente ao seu underacting (vertente popularizada por Marlon Brando em que descredibiliza os rasgos de interpretação dramática). Atualmente, Tommy Lee Jones detém o título de mais sucedido dessa categoria, porém, Affleck converte-se numa autêntica carta de trunfos ao conseguir fugir das eventuais armadilhas do campo da comédia involuntária que a sua personagem e enredo parecem suscitar. Por exemplo, a sequência do hospital, após o anúncio de morte do seu companheiro confraternal, a sua visível indiferença abate-nos com um indigestível sabor de dúvida. Por momentos suspeitamos de “canastrice”, mas cedo somos engolidos pela sua figura vencida pela dor, cuja origem será desvendada mais tarde.

Sim, Casey Affleck é o melhor que o novo filme de Lonergan tem para nos oferecer. O resto induz-nos para o maior engodo de “colo”. Ao contrário das aclamações que têm sido viabilizadas lá fora, Manchester By the Sea é enfraquecido pela tendência de Lonergan transformar este ensaio de interpretações num filme, sob o signo cinematograficamente mainstream. Até porque o importante é chegar às audiências mais vastas e, porque não, miná-lo de flashbacks. A cortante e afiada fórmula narrativa parece despedaçar a minimalidade do enredo (pelo menos era o que julgávamos) e o plot twist precocemente concebido trai-nos e leva-nos a uma previsibilidade sem limites quanto aos modelos de redenção emocional.

A viagem torna-se então atribulada, mas Casey Affleck é um resistente, a demonstrar que é um campeão no que requer a embater em filmes que, cada um à sua maneira, fogem da conformidade do espectador. Longe da obra-prima que fora catalogado, Manchester By the Sea é a presença de um actor pouco convencional nas tendências oscarizadas.

O melhor – Casey Affleck e o seu underacting

O pior – ser “glorificado” a obra-prima

Hugo Gomes

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