Luís XIV (imperial Jean-Pierre Léaud), como os anteriores heróis dos filmes de Albert Serra, está cansado, num estado avançado de debilidade física, quando o conhecemos nos jardins do Palácio de Versalhes. Lá, dirá firmemente “Vamos!”, enquanto que, à medida que sai do enquadramento, o ecrã é ocupado pelo título do último trabalho do cineasta catalão: A Morte de Luís XIV. E com ele vamos, de facto. Vamos para o interior do palácio, de onde não mais sairemos nas restantes duas horas de filme; vamos acompanhar o ator ao leito que lhe está reservado, naquele quarto que é um huis clos autêntico; vamos retornar a esta personagem que só teve (até agora) um filme a fazer-lhe justiça, A Tomada de Poder por Luís XIV do mestre Rossellini. E vamos, sobretudo, enfrentar com a personagem do título a morte que a aguarda, sentir a gangrena que lhe mina a perna esquerda, enquanto os médicos que a estudam discutem entre si qual deles será o mais acertado no seu veredito.

Se Rembrandt tivesse uma câmara de filmar faria filmes assim. O cuidado com que as fontes de luz são colocadas (exclusivamente naturais graças a um fabuloso trabalho do diretor de fotografia Jonathan Ricquebourg), iluminando poucas das personagens de cada cena, cria um ambiente pictórico raramente visto no cinema. Através delas é contraposta a precariedade do rei face aos vultos dos padres e da própria rainha, já de luto posto. Ou então os inserts dos rostos dos nobres que o contemplam, qual espetáculo de degradação e senilidade, que têm a quietude e ambiguidade das histórias que muitos quadros escondem. Que esperam eles naquele quarto? É apenas pesar ou uma conspiração? É nesta teatralidade que se instaura assim a crítica social, com os médicos a atribuírem a razão de todo este mal-estar a, respetivamente, alimentos frios, um pássaro e, quando o bode expiatório finalmente surge, um colega de profissão feito alquimista.

Mas Serra é também um cínico e diverte-se com as ironias que o destino prega. Luís era um megalómano, responsável pela construção de um dos maiores e mais imponentes palácios do mundo. E é justamente este espaço que fica transformado em jaula, uma prisão que lhe enoja e o condena à sua pequenez (“Este quarto fede!”, dirá a dada altura). Sim, A Morte… é um filme sobre a fuga de uma prisão. A única fuga possível quando o corpo humano chega a um tal estado de degradação. Já não víamos uma obra assim, com um ator a este nível de dedicação, desde Emmanuelle Riva em Amor. E, tal como esse filme, ouvimos mais uma vez ao nosso lado, “memento mori”. Não chega para convencer? Como é dito, cruelmente, antes daquele FADE OUT abrupto: “Da próxima faremos melhor”.