Sexta-feira, 29 Março

«Collateral Beauty» (Beleza Colateral) por André Gonçalves

Há filmes imperdíveis, e há, dentro ainda dessa categoria, filmes tão maus que devem ser vistos. Porquê? Bem, para além de dar mais valor àquilo que é efetivamente bom, há certas histórias e reviravoltas que têm que ser vistas para serem acreditadas. 

Feito o aviso, passemos então à trama central desta “Beleza Colateral“: Howard, um homem (Will Smith) que perdeu a filha de seis anos vive bloqueado numa espiral de luto, que ameaça a empresa que fundou com o seu sócio e amigo (Edward Norton). Este, juntamente com os seus dois colegas (Kate Winslet e Michael Peña) decidem então fazer algo para afastar o amigo da empresa, alegando insanidade deste. Primeiro, contratam uma investigadora particular (Ann Dowd); ao violar a correspondência de Howard, os colegas descobrem que ele anda a escrever a três entidades: a Morte, o Amor e o Tempo, sobre a morte da filha.

Qual é a ideia engenhosa do trio? Contratar um trio de atores para desempenhar estes papéis (mais concretamente Dame Helen Mirren, Keira Knightley e Jacob Latimore), fazendo com que Howard sinta que só ele os consegue ver… Pelo meio, há ainda tempo para Howard conectar-se com uma mulher em luto pela morte da sua filha (Naomie Harris, prestes a ser nomeada aos Óscar por “Moonlight“), que dirige um grupo de terapia e nos “explicará” porque é que o filme se chama “Beleza Colateral” e não “Domino Crash“.

Esta é apenas o primeiro ato de “Beleza Colateral“, um filme que abre e fecha com uma queda de dominós, e que constitui ele próprio uma queda de uma construção gigantesca de dominós – só que uma queda não intencional, pelo menos não no tempo certo, não com este tipo de arquitectura. Um filme capaz de desperdiçar completamente o elenco descrito acima, o qual parece não estar unido pela mesma causa, aparentando sim estar dividido em pelo menos três filmes distintos: uma sátira de gosto dúbio sobre o mundo da representação, um drama de mau gosto sobre a morte e o luto, e ainda uns resquícios de comédia romântica que levam a exatamente lado nenhum. Claro, a vida não é só um género – e este ano, tivemos uma prova suprema desta máxima com “Ela” de Paul Verhoeven, por exemplo – mas a cola que liga estes subfilmes é de má qualidade, e permite-nos ver tudo.

Para benefício de todos, a queda de dominó cinematográfica (definitivamente a imagem memorável que vamos guardar desta experiência) ocorre de uma forma tão rápida como as que estamos habituados a ver literalmente – nada neste filme verdadeiramente aborrece, pelo menos num primeiro visionamento, tal é o estado de incredulidade sedutora pela derrocada. E quando já nos preparávamos para ativamente desligar do clímax crescentemente previsível, eis que surge uma última cartada – uma reviravolta (e meia) tão desafiadora das leis normais da lógica, que ultimamente mina o pouco de credibilidade que o filme ainda pudesse ter… 

O melhor: É compulsivamente sedutor na sua derrocada, qual queda de dominós.

O pior: A reviravolta final mais que desnecessária, minando o muito pouco de credibilidade que pudesse ainda restar. 

André Gonçalves

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