Sexta-feira, 19 Abril

«Saint Amour» por Duarte Mata

Se é costume criticar-se o cinema comercial pela sua ausência imaginativa e técnica formatada, o dito “autoral” também não está isento de culpas. No caso do francês, cada vez mais se observa novos cineastas com a tendência de filmar excessivamente em handheld num trabalho de luz preguiçoso, criando um filme que aparenta acarretar uma certa presunção documental, mas que não chega para ser levado a sério.

Saint Amour do duo Delépine-Kervern (por cá conhecidos pelos filmes Experiência de Quase Morte e Mammuth) não é diferente. Ora road movie, ora pequeno drama familiar, trata de uma viagem ao longo da França entre pai-filho e o taxista que os leva para provar diferentes vinhos e descobrir as complicações do sexo feminino, tendo cada personagem deste membro as suas peculiaridades e cada masculina o seu desajustamento em lidar com elas. Se soa familiar? Indubitavelmente. É inevitável recordarmo-nos de Sideways de Alexander Payne, passado nas vinhas californianas, um esforço melhor sucedido em ligar as complicações das relações amorosas ao universo dionisíaco da bebida, num registo que muito devia (curiosamente) a um cineasta francófono, Eric Rohmer. 

Aqui, no entanto, é Depardieu, sério candidato ao título de “maior ator vivo”, quem cativa. Através da sua personagem de um viúvo que procura aproximar-se do filho após a morte da mulher, cria um retrato comovente sobre a necessidade de prevalecer um legado entre gerações (a família dedica-se à criação bovina) não explicitando os seus sentimentos, embora pelo seu olhar emocional constante e forma de lidar com a sua portentosa presença física (já muito discutida e cada vez mais integrada na representação) estes fiquem transparecidos.

Graças a ele, o melhor momento da obra está perto do final, numa declaração de amor paternal em grande plano extremo, onde os seus olhos estão fixos num ponto em fora de campo que nunca é mostrado. É de uma sinceridade avassaladora e mostra como as amarguras da idade vieram a melhorar a sua arte. E não é preciso ser-se enólogo para se dizer “como um bom vinho”. Só é pena que os seus realizadores dêem “muita parra, pouca uva

O melhor: Depardieu, portentoso.

O pior: Cinema autoral francês já muito formatado e pouco relevante.

 

Duarte Mata

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