Quinta-feira, 28 Março

«Rocco» por Paulo Portugal

O documentário sobre a star porno italiana Rocco Siffredi empurra-nos para essa aproximação inesperada ao mundo do cinema porno. Onde Rocco começa logo por se explicar, dizendo que desde garoto, com uns nove dez anos, descobrira a pulsão da masturbação. E esse “diabo que tinha entre as pernas”. Assim procura exorcizar uma  tentação validada pelo suave sorriso da sua mãe quando o surpreendeu nessa prática onanista. Foi assim que Rocco acabaria por se assumir com um dos ‘machos’ mais venerados que vergou tantas mulheres. Por vezes com uma aspereza de violência adocicada. É isso “Rocco”, o documentário da dupla francesa Thierry Demaizière e Alban Teurial, especialistas no terreno da biografia, integrada na secção Heart Beat.

Contudo, esse caminho trilhado por Rocco Antonio Tano teve também o seu ‘quê’ de fuga realista, à pobreza familiar, mas que acabaria por se transformar nesse conto de falos. De todas as idades, já que confessará, que atravessou uma longa faixa etária, dos 18 aos mais de 70, numa exploração sem destino do sexo. Talvez devido a esse reinado, decidiu assumir a redenção, ao deixar-se crucificar num derradeiro e estilizado espetáculo apoteótico em pleno museu Kink, de San Francisco.

Já se sabe, no universo porno não há tempo a perder. É assim que vemos algumas das sugestões para os filmes, onde as sugestões de narrativas mais ambiciosas são travadas por Rocco com um “mas onde metes a cena anal?”, “não vamos estar uma hora à espera de ver sexo!” Também com as jovens candidatas a contracenar com Siffredi ele provoca e elas deleitam-se, “Gostas de algo mais violento?” Normalmente, é positiva a resposta. Ainda que uma cena em que Rocco mete literalmente uma mão inteira dentro da boca da uma jovem numa exploração provoca-lhe lágrimas involuntárias de dor e desconforto.

No entanto, o que mais fascina é a inesperada espessura formal deste filme seguro sobre disponibilidade para o sexo puro e duro. Com momentos que intercalam essa representação com as alegres e amenas cavaqueiras entre os intervenientes após o ato no duche. Rocco Siffredi assume esse lado de deus do sexo, preparado então para o seu ‘close up’ final. Na cruz. Pode parecer kitsch, de certa forma até é, mas Demaizière e Teurial nunca perdem a noção do espetáculo em vertente biográfica com um inesperado bom gosto.

 

Paulo Portugal

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