Há uma mistura de teores que percorre todas estas palavras, desde o poético ao lírico passando pelo simplesmente politico, até à preocupação da nossa língua (essa nossa identidade), como a preservação dos nossos ideais culturais e sociais – “devemos ser mais como o gregos” – tal como é referido em determinado ponto. Rita Azevedo Gomes (A Vingança de uma Mulher) encontrou a sua matriz, a correspondência trocada entre dois poetas, Jorge Sena e Sophia Mello Breyner, durante o exílio do primeiro no Brasil e posteriormente dos EUA, de forma a “fugir” ao regime fascista que se vivia em Portugal. Porém, para Breyner, a sua escrita remete à recordação de cada palavra como a saudade do seu mais intimo amigo. Uma amizade separada por quilómetros de distância, mas reforçadas pelas estrofes, pelas frases que substituem horas e horas de conversa.

Belos textos temos aqui! E a realizadora bem o sabe, aliás, até demais. Correspondência vem a reforçar a ideia de uma vaga que se vai brotando no nosso seio cinematográfico – um cinema cada vez mais lírico, empurrado pelos textos de uma correspondências antiga – que servem, não só de guião, assim como puro alicerce de uma eventual intriga. Será a saudade vencida por este prolongado método de comunicação, agora perdido pela distância de um clique das novas tecnologias em cumplicidade com as redes sociais que nos atingem, que nos faz invocar referido formato? Será a preocupação com o texto imprimido, a degustação de cada palavra, cada acento, cada paragrafo e até a grafia no seu mais extremo nível, que nos afronta espiritualmente?

A verdade, é que temos aqui um português falado e escrito à beira da extinção, que nos dias de hoje, vê-se atropelado pela globalização e nesta redução de distância de contato entre os mais diferentes pontos geográficos. Será que esta aproximação nos torna menos cuidados? Assim sendo, Correspondências vem ao auxilio de Cartas da Guerra, de Ivo Ferreira, a prioridade do texto-legado, da literatura salientada nas suas imagens. Mas infelizmente, para Azevedo Gomes, Ferreira soube construir uma narrativa visual que pudesse emancipar-se do próprio texto, em Correspondências tal isso não acontece, tudo é recorrido à forma de cautela. A nossa realizadora parece ter medo de superar o mencionado texto, focando-se nele e aceitando à aleatoriedade das imagens.

Quase seguindo à letra a poética forma da citação, Correspondências  evidencia um “terror de penetrar na habitação secreta da beleza“, o que impede que as encenações tomam conta das palavras residentes e trocadas, sem conseguir apoiar no seu todo. “As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim“, uma miragem nestas Correspondências de facto. Nesse aspecto, Rita Azevedo Gomes poderia leccionar-se no seu próprio formato – “será que a vida é a luta das imagens que não morrem?” Ao invés disso, soube criar um belo produto para os nossos ouvidos, a sensualidade de palavras tecidas com a maior das dedicações, quer da sua forma e construção, quer do sentimento nelas depositadas. Poderia ser um grande filme … poderia, mas Rita Azevedo Gomes preferiu encenar um mero exercício de encenação.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
correspondences-correspondencias-por-hugo-gomesAs imagens não conseguem proclamar independência da matéria escrita