Por mais que se goste ou que se odeie, João Pedro Rodrigues é já uma referência no panorama atual da cinematografia portuguesa. Em O Ornitólogo, o maior destaque será o Prémio de Realização que lhe fora atribuído na mais recente edição do Festival de Locarno, mas apesar do brilho reluzente do prémio (e visto que os portugueses adoram condecorações), esta quinta longa-metragem merece sobretudo o apreço pela sua estética esotérica, um fascínio comum dos mortais que o realizador sempre havia assumido perante as pinturas sacras. A carnalidade, a espiritualidade e a sexualidade, segundo este, imprimidos nestas devotas ilustrações religiosas.

Para muitos a profanidade, mas que para Rodrigues o “pontapé de entrada” para este seu mundo de autodescoberta, e novamente Santo António, como o santo padroeiro do nosso realizador (recordamos a sua curta A Manhã de Santo António) e o signo de chagas da sua mortal existência. A história arranca com um ornitólogo, Fernando, um observador de pássaros interpretado por Paul Hamy (Maryland), que a meio da sua acidental jornada descobre uma estranha entidade que reside no seu intimo, um “outro eu” apenas visualizado pelas aves que o agora o observam-no. Uma descida a um rio em busca das raras cegonhas negras levam-no a uma remota região onde espíritos enlouquecidos e um povo regido por folclores e tradições ancestrais convivem hostilmente.
João Pedro Rodrigues afasta-se, claramente, do modo tradicional da narrativa, ou pelo menos o do percetível mainstream, dirigindo este seu O Ornitólogo aos textos religiosos e aos passos deixados por Santo António, desde a sua pregação a peixes até ao seus dons de ressurreição. É de um existencialismo narcisista, este tom prescrito nesta “peregrinação” florestal, mas este seu egocentrismo vale como bênção perante a exposição submetida do seu ser enquanto realizador e ainda mais como homem. É um filme de aventuras pouco convencional, como fora referido, um caminho que não nos leva a nenhum ponto geográfico especifico, ao invés disso é o centro da alma e a fantasia sexualizada do nosso João Pedro Rodrigues o qual se concentra o destino. Este é o cinema de transformação pessoal, a metamorfose concretizada com uma sobriedade cinematográfica e ocupado por uma fotografia recorrente a um exotismo esotérico.
Sim, a esta altura, o leitor já percebeu que este O Ornitólogo é um filme pessoal, uma daquelas vinculadas “raças” que muito apologista do dito “cinema comercial português” (ou lá se isso existir) despreza. O “filme para amigos“, segundo estas vozes, porém, a verdade é que este produto de círculos fechados prevalece-nos como uma viagem e tanta a um fértil mundo de espiritualidades heréticas, onde a religião mais conservadora é apropriada pela libertinagem do ego, assim como a animalidade destas entidade marginais. Eis, novamente, o reencontro com a ligação umbilical entre Homem e Natureza que João Pedro Rodrigues parece cada vez mais tecer no seu cinema. Será cedo dizer que estamos perante no seu melhor trabalho?
Pontuação Geral
Hugo Gomes
Duarte Mata
o-ornitologo-hugo-gomesSerá cedo dizer que estamos perante no melhor trabalho de João Pedro Rodrigues?