Sexta-feira, 29 Março

«The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years» por Duarte Mata

O momento da carreira que Ron Howard escolhe retratar no seu mais recente filme The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years poderia ser resumido em 3 linhas de uma canção de Bruce Springsteen: “I was living in a world of childish dreams / Someday these childish dreams must end / To become a man and grow up to dream again”. Começamos por conhecê-los no início das respetivas carreiras, quatro amigos púberes a viverem o sonho, querendo apenas divertir-se (como diz McCartney a um entrevistador que lhe pergunta sobre que papel terá a sua banda na cultura ocidental “Não goze connosco, isto não é cultura, mas apenas uma boa gargalhada”), mas, cuja responsabilidade e tribulações da época cedo lhes batem à porta e obriga-os a crescer, manifestando-se, entre outros temas, contra a segregação racial nos Estados Unidos, o conservadorismo católico americano ou uma maneira de contornar as centenas de jovens que iam parar ao hospital durante os seus concertos. Até sentirem a necessidade de abandonarem isso tudo e superarem-se a si mesmos.

Há que admirar a energia que este documentário contém, tão energético como uma canção pop dos Beatles (chapeau para a montagem de Paul Crowder) que tanto histerismo levou às adolescentes daquela época e que John Lennon (mostram os registos) critica com o seu sarcasmo peculiar (“Pensávamos que a América seria mais calma. Elas gritam e nós, mesmo gritando mais alto e com microfones, não conseguimos vencê-las”). Falamos não só de uma banda sonora perfeita, mas do recurso a fotografias, entrevistas, documentos e de vídeos de quase todos os locais onde estiveram presentes nos anos em que viveram das digressões. É um trabalho de pesquisa complexo, desenvolvido quase como se tratasse de uma tese sobre o impacto sociológico que o quarteto de Liverpool causou e a resposta psicológica e emocional que o mesmo lhes retribuiu. Porque, ao fim e ao cabo, foi no palco que se definiram como uma das grandes bandas do momento, mas, foi quando o abandonaram para entrarem no estúdio por definitivo que se tornaram na maior de sempre, com os apogeus experimentais Revolver e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (com os quais Howard conclui o filme).

E depois os créditos finais decorrem com as imagens do derradeiro concerto, no telhado dos estúdios da Apple (que já podiam ser vistos no documentário Let It Be (1970)), mas de uma maneira ainda mais saudosa e simbólica do que a que por si já tinha. Obrigatório para fãs de Beatles? Mais do que isso, indispensável para quem gosta de cinema.

O melhor: Todo o trabalho de pesquisa e como é assimilado numa montagem energética.

O pior: Não olhar, tanto quanto poderia, para o espírito individual de cada elemento da banda, encarando-o antes como um coletivo.

Duarte Mata

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