Sábado, 20 Abril

«Snowden» por Paulo Portugal

Oliver Stone continua a reivindicar para si o papel de paladino da verdade política, de feroz opositor do cavalgante capitalismo e defensor da liberdade americana. Em face da concretização da ameaça do Big Brother de Orwell, materializada na divulgação por Edward Snowden, em 2013, dos programas de vigilância da NSA, o filme Snowden colhe alguns dividendos. Ainda que sinta dificuldade em apresentar algo de novo, em polemizar de uma forma que supere o mero lobby político. Infelizmente, Stone fica-se apenas pela ideia da criação de um novo herói americano um pouco à semelhança de JFK. Embora sem a mesma espessura.

Oxalá Snowden fosse um documentário, onde Oliver se tem mostrado bem mais certeiro. Veja-se, por exemplo o que fez na sua magnífica (e explosiva!) série The Untold Truth of the United States. Só que no campo na ficção a imitar a realidade Stone não averba os mesmos kudos. Razão pela qual Snowden aparecia à partida como potencial candidato à reviravolta. Digamos que se fica pelas meias-tintas: por um lado, recria com eficácia a personagem americana provavelmente mais marcante deste século XXI, em parte graças à tremenda composição de Joseph Gordon-Lewitt no ex-consultor da NSA, mas acrescenta pouco ao que já viramos no pungente documentário de Laura Poitras, Citizenfour.

Temos mesmo de voltar a Citizenfour para falar de Snowden. É que este filme acaba por ser uma espécie de dramatização, uma espécie de making off, do documentário de Poitras. Ainda que concretizado com a eficácia habitual de Stone. Nesse sentido, a parte mais relevante do filme acaba mesmo por ser a dramatização da entrevista que Snowden dá a Glenn Greenwald e Ewen MacAskill, em Hong Kong, e captada pela câmara Laura Poitras, com Gordon-Levitt, Zachary Quinto, Tom Wilkinson e Melissa Leo a revelarem-se escolhas perfeitas nessas personagens.

É claro que Oliver Stone recria o período de formação militar de Snowden e a sua complexa relação com a namorada Lindsay Mills, na muito competente Shailene Woodley, a conferir um outro sabor ao filme. Só que por aí também não saímos do lado biográfico que reconhecemos nos rigorosos trabalhos anteriores (W.Nixon JFK). Pelo meio percebe-se ainda o contacto com o sistema PRISM que permitiria o acesso indiscriminado a informação pessoal de uma forma global e a sua decisão em publicar esses dados. Algo que serve apenas para ligar o lado biográfico ao sumo que é a tal entrevista em Hong Kong antes de do exílio forçado na Rússia.

Por detrás deste véu de recriação documental temos então o tal thriller que aposta na chamada de atenção sobre o perigo da vigilância global. O ponto de vista está absorvido. Pena é que o filme sofra com esta distância no tempo e nos devolva insuficiente informação do que este conceito mais ou menos abstrato, ainda que preocupante e real. E, sim, claro que chega em plena altura de campanha eleitoral em que se definem os destinos da nação americana. A esse respeito não deixa de ser curiosa a inclusão no filme da condenação (obviamente necessária) de Hillary Clinton sobre essa fuga de informação, bem como o pedido de pena de morte pelo truculento Trump. Mais curiosa é a posição de Bernie Sanders, não incluída no filme, a pedir clemência para Snowden. 

Paulo Portugal

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