Quinta-feira, 28 Março

«Bridget Jones’s Baby» (O Bebé de Bridget Jones) por André Gonçalves

No papel, uma sequela de “Bridget Jones” com a palavra “Bebé” tinha tudo para falhar em 2016. Pior presságio seria só passar aos cães falantes (em defesa de “Olha Quem Fala Agora!“, a saga começou logo com um bebé, e não um bebé qualquer… um bebé com a voz de Bruce Willis! Hah! ). 

Mas se há algo que “O Bebé de Bridget Jones” nos tenta ensinar em jeito de moral da história é que nem sempre o que está escrito num papel funciona dessa forma na prática. Bridget, agora com 43 anos (a atriz Renee Zellwegger tem uns impressionantes 47!), vê-se novamente dividida entre dois homens com os quais foi para a cama no decorrer de uma semana: Mark (o eterno Mr. Darcy, encarnado novamente por Colin Firth) e Jack (o McDreamy Patrick Dempsey), um guru das relações que consegue determinar matematicamente se um casal tem o que é preciso para funcionar ou não. “Raison d’être” do filme: usando preservativos fora do prazo, a nossa eterna solteirona não sabe qual é o pai do bebé que carrega agora no seu ventre.  

Se a sinopse parece colhida de um outro tempo, mais inocente talvez, o “gang” de escritores esforça-se bem para espicaçar a trama com a sociedade do “agora“. Da última vez que tínhamos visto Bridget e companhia, o iPhone não tinha sido ainda lançado – muito menos o FaceTime ou o Tinder, os casais homossexuais ainda não se podiam casar quer no Reino Unido quer nos Estados Unidos, e ainda nos faltava encontrar a nova geração de “hipsters” que entretanto se iria formar com a proliferação de redes sociais. Todas estas temáticas (FaceTime, encontros online, gays a casar e a adotar, hipsters de barba “pipi” viciados em redes sociais), e mais algumas estão presentes aqui, num filme que aparenta por vezes ser um “Scream 4” para as comédias românticas, com esta necessidade de mostrar que fez todas as atualizações necessárias, enquanto pisca o olho ao passado – e insistindo em repetir alguns erros, diga-se de passagem. 

O segundo filme (“O Novo Diário de Bridget Jones” de 2004) soava a apressado e acessório; doze anos depois, o terceiro filme volta a parecer-nos vital por motivos inicialmente alheios, mas que se vão revelando por força do próprio argumento. E é precisamente a olhar para os créditos desta segunda sequela que encontramos justificações para tudo isto funcionar tão bem como da primeira vez. Emma Thompson não só adquire aqui um papel secundário hilariante, como ajudou a escrever o argumento (ela que escreveu a adaptação de “Sensibilidade e Bom Senso” realizada por Ang Lee, entre outras obras, recorde-se), juntamente com Helen Fielding (nada mais nada menos que a autora do “franchise“) e Dan Mazer (o senhor que escreveu a trilogia de Sacha Baron Cohen “Ali G“, “Borat” e “Bruno”). E Sharon Maguire, realizadora do primeiro filme, volta à cadeira de realização.

Tudo isto se reflete no ecrã: as gargalhadas são tão espontâneas como da primeira vez, e os atores, mais enrugados e envolvidos nos seus papéis originais soam como se tivessem vivido os últimos 15 anos nas suas personagens – uma vitória particular para Renee Zellwegger, que lembremos foi nomeada a um Óscar por este papel, e em tempos recentes foi acusada de ter ido à faca (o filme mostra o contrário). O próprio filme farta-se de gozar com o estatuto “geriátrico” da gravidez de Bridget, convencido não só a mostrar que sabe tanto como o espectador do ponto narrativo extremo a que chegou para trazer o “gang” de volta – como a tirar o melhor partido desse extremo.  

 

A certo ponto, o mecanismo de comédia romântica patriarcal entra, e não há piada ou humor físico que sirva para disfarçar em última instância tal previsibilidade. Sem querer estragar muito a revelação de “quem é o pai?” – que, convenhamos, se torna completamente secundária aqui, a verdade é que dificilmente o espectador pode esperar outro desenlace que não uma resolução com um “fantoche“. Muitos argumentarão que, independentemente da previsibilidade, este é o final que a solteirona Bridget merece; mas ao mesmo tempo, qual saga de terror para muitos homens heterossexuais, o filme parece disposto a seguir em frente com mais sequelas com a revelação nada ingénua de um pedaço de informação nos últimos segundos de película…     

O melhor: o estado de graça recuperado 15 anos depois – mérito de toda a equipa original, e da nova recruta Emma Thompson. 

O pior: a previsibilidade dos procedimentos e a ameaça de avançar em frente e estragar o que foi feito aqui.  

 

André Gonçalves

 

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