Quinta-feira, 28 Março

«Cartas da Guerra» por André Gonçalves

Soa a pecaminoso atirar pedras a uma obra tão cuidadosamente elaborada como “Cartas da Guerra“, uma adaptação de Ivo Ferreira de escritos de António Lobo Antunes. 

Sim, estamos perante um dos filmes mais belos da temporada, a beleza cruel de um espaço e tempo que nos trazem más memórias, beleza essa acentuada a preto e branco pelo cinematógrafo João Ribeiro. 

Mas é uma beleza com espinhos… Ao tentar fundar um filme assente apenas em cartas trocadas por António Lobo Antunes e a sua esposa, enquanto este cumpria serviço militar em Angola em plena Guerra Colonial, Ivo Ferreira decide então… colocar estas cartas como grande motor narrativo, esperando que as palavras de Lobo Antunes sejam suficientemente fortes para transformar o que podia ser uma mera sessão de leitura em pura poesia visual malickiana. E de facto surgem ecos do aclamado “A Barreira Invisível” aqui, pela natureza contemplativa em pleno cenário de guerra, e pela narração das cartas ter um paralelo imediato nas vozes internas das personagens de Terrence Malick.

As palavras são fortes, mas como nos diz Lobo Antunes, não passam de palavras; é sempre preferível a ação com base nos espaços que estas criem. No final da sessão de “Cartas da Guerra“, serão muito poucos os que ousem questionar a obra e as suas palavras. Mas gostaria humildemente, e com alguma frustração, de questionar a aparente insegurança do cineasta em não saber aproveitar os silêncios que estavam prontos para serem usados. O resultado é uma adaptação literária, com uma componente de investigação louvável, sem dúvida, mas que usa e abusa das palavras para sufocar os poucos (?) que considerem que o cinema deva ser tanto sobre a palavra como sobre o espaço que ela gera, em termos puramente cinematográficos; e consequentemente, sobre os silêncios traduzidos cinematograficamente pela sua ausência, helás

O melhor: as palavras de Lobo Antunes e a cinematografia de João Ribeiro

O pior: a overdose destas belas palavras que não deixam o filme respirar. 

André Gonçalves

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