Terça-feira, 23 Abril

«Hrútar» (Carneiros) por Duarte Mata

Cineasta curioso este Grímur Hákonarson, cujo filme Carneiros acaba de estrear nas salas portuguesas, após ter vencido o prémio Un Certain Regard na edição de 2015 do Festival de Cannes. Se, em interiores, filma as suas personagens de maneira frontal, um pouco à maneira perversa e simples do austríaco Ulrich Seidl, por outro, demonstra um olhar de dignidade e complacência sobre as mesmas, nesta relação entre dois irmãos criadores de carneiros islandeses, reminiscente (suspeitamos) do conto de Caim e Abel.

Gummi e Kiddi (pois são esses os seus nomes) têm de enfrentar uma decisão difícil, após o rebanho do segundo apanhar scrapie, doença denegridora do sistema nervoso, que lhes forçará a exterminar a raça de ovinos que a família cria há várias gerações, afim de preservar o bem-estar da comunidade rural onde habitam. Num gesto de perseverança, o primeiro consegue esconder alguns na sua cave em segredo, esperando com eles continuar a linhagem rara e exemplar.

Prezamos Hákonarson por duas coisas: a primeira, o de usar o rebanho como macguffin, isto é, um dispositivo narrativo que é permanentemente trazido para primeiro plano, mas cuja utilidade acaba por ser a da influência de comportamento que irá provocar nas personagens, decrescendo, gradualmente, em importância. Dito de outra maneira, o genuíno objetivo do cineasta é o de falar de dois irmãos que se desprezam mutuamente (são eles que, por andarem em conflito permanente, quase como um instinto primitivo, os verdadeiros carneiros do título), mas cujas divergências terão de ser postas de parte, em nome da família. A segunda é o seu talento para filmar exteriores, em planos gerais, numa fotografia pouco saturada, enquadrando o indivíduo nas paisagens invernais islandesas (os melhores momentos do filme, que nos relembram, nostalgicamente, David Lean).

No entanto, apesar de todo o mérito de ser tecnicamente bem executado, há um certo estado de passividade que atormenta a obra e da qual o espetador não sai. Falta-lhe transparecer melhor o conflito interior que cada personagem enfrenta e que leve Carneiros para um patamar mais íntimo e que nos desse vontade de, francamente, recomendar este filme. Mas foi bom que, ao menos, conseguisse captar a nossa atenção para o seguirmos num futuro próximo.

O melhor: As cenas exteriores e o olhar sobre o laço fraternal.

O pior: A falta de conflito interior.

Duarte Mata

 

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