Sexta-feira, 19 Abril

«Jason Bourne» por Hugo Gomes

Prevejo que aquilo que o leitor pretende realmente saber, é se esta quarta estância é ou não o esperado regresso do “velho” Jason Bourne (e não outro esquecível e oportunista spin-off como O Legado de Bourne). Com Paul Greengrass de novo detentor da batuta e Matt Damon, o “corpo ao manifesto” de mais uma conspiração global, a resposta é claramente – sim. 
 
Sim, eis o modelo de ação milenar que a saga tão bem apresentou-nos em três bem sucedidos filmes. Até porque em 2002, Doug Liman assinava a adaptação do livro de Robert Ludlum (e remake de uma mini-série televisiva de 1988), tendo um resultado que saiu dos eixos da matéria prima, mas que primou numa “vintage” sofisticação. Identidade Desconhecida evidenciava de uma ação de realismo formatado, de tons cinzento que depressa o divergia dos embriões da moda Matrix que o início do século lançava sem exaustão, e “bebendo fortes golos” dos ditos thrillers conspirativos da década de 70. 
 
A outra razão da dita inovação foi de uma mera questão de timing, Matt Damon, sob a pele de um mortífero homem sem memória, enfrentava os mais diferentes inimigos, todos eles vindos ou fruto das politicas de segurança nacional e da fragilidade do mesmo. Vivíamos em tempos pós-11 de setembro, o centro daquele vórtice de heróis da “pesada” diretos dos 80s e 90s perdeu o seu “quê” de invencibilidade, eram agora um alvo como tantos outros (falo obviamente dos ataques ao Pentágono, que gerou uma alarmante ideia de vulnerabilidade num país que sempre apresentara ideia diferente). Ou seja, sob uma forte atmosfera de medo e paranoia, a estreia de Identidade Desconhecida e a sua receção foi um meio para despoletar outros ensaios de ação cada vez mais focados neles próprios, por outras palavras, tornaram-se mais ambíguos, críticos e menos dados a maniqueísmos geopolíticos. 
 
A saga Bourne funcionou como uma distorcida variação da Guerra Fria, há quem encontre aqui uma certa veia do Candidato da Manchúria e a ferocidade de um Charles Bronson, quer em Death Wish ou no subvalorizado O Mecânico. Com a vinda de Greengrass à realização e o seu modo de filmagem guerrilheira, tivemos direito a dois dos mais duros e credíveis filmes de ação do nosso tempo (Supremacia e Ultimato). 
 
Voltando a este quarto filme, somente intitulado de Jason Bourne, onde o nosso “anti-herói” envolve-se (ou novamente) na intriga que nunca o abandonara desde 2002. O 11 de setembro e as políticas de medo já lá vão, mas nunca nos abandonaram, por um lado a insegurança mantêm-se, mas existe outras preocupações que o filme Greengrass quer manter-se atualizado, e uma delas chama-se “Caso Snowden“. Desde a revelação dos ficheiros da NSA pelo ex-analista de sistemas que uma das grandes questões levantadas pelo Homem em relação à sua gradual dependência da tecnologia é a preservação da privacidade e os jogos orquestrados nas nossas sombras. A informação torna-se no ouro deste novo milénio e nisso Jason Bourne consome mais uma vez para embarcar em mais um conjunto de sequências de ação e de neo-espionagem. 
 
 
A gestação de nove anos deu-nos uma réplica dilacerada pelos habituais lugares-comuns, o filme de Paul Greengrass pode bem ser moderno, mas é repetitivo e a inovação diversas atribuída à saga não encontra lugar em todo este pano global. Porém, aquilo que não se pode acusar neste Jason Bourne é de moleza, o filme continua a apresentar-nos um ritmo gratificante, sempre interagido com o realismo e ampliado por um realização hand-cam de enorme caráter. Depois disto, temos ainda uma Alicia Vikander a roubar qualquer cena em que surge (não percam esta “rapariga” de vista, por favor).
 
Contudo, existe algo interessante nesta, para muitos, enésima produção de adrenalina: é que Jason Bourne faz até um certo mapeamento da situação europeia através dos seus locais de rodagem. Iniciando com a Islândia, passando pela Grécia (sob motins), chegando à Alemanha e atravessando uma Inglaterra receosa, quatro localidades que traduzem todo um recente historial da velha Europa, o continente em constante metamorfose politica, social e económica. Todavia, não estou aqui para dar lições ou debates sobre a nossa vivida atualidade, isso terá que ficar para outro dia!
 
O melhor – Alicia Vikander, a contemporaneidade do enredo
O pior – o efeito repetição
 
Hugo Gomes
 
 

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