Sábado, 20 Abril

«Demain» (Amanhã) por Paulo Portugal

Sabia que uma comunidade de Bristol troca bens e produtos com notas próprias e que incluem mesmo a ousadia de uma nota de 21 libras, que se orgulha em exibir o rosto de David Bowie em vez do da rainha de Inglaterra? Estará também a par dos estudos que dizem que a capacidade de produção em permacultura tem um potencial de crescimento exponencial que poderia limitar em grande parte os efeitos das carências alimentares no mundo? Menos novidade será, com certeza, os frutos dos avançados métodos de ensino finlandês. Mas, atenção, não se trata de uma nova invasão de Michael Moore, à procura das boas práticas para levar para os EUA, como sucede no recente E Agora Invadimos o Quê? [ler crítica].

Encare-se antes este revelador documentário como uma espécie de wake up call ecológico para alguns princípios que nos devem nortear num futuro mais imediato. Mas para isso seria necessário um call to action com efeitos práticos já amanhã, como é salientado logo no filme de Cyril Dion e Mélanie Laurent, pois dentro de uma ou duas décadas poderá ser tarde demais, caso não sejam reduzidos os níveis de aquecimento global.

Mais um filme ecológico? Seguramente. Se bem que Amanhã supere o lado mais didático do urgente Uma Verdade Inconveniente, de 2006, quando Al Gore colocou o dedo na ferida sobre os perigos do aquecimento global. Pois bem, neste caso olha-se o problema de um ponto de vista mais otimista, como salientou Hunter Halder, o fundador do movimento Re-food, na antestreia lisboeta do filme. Ou seja, para tudo aquilo que se pode (e deve) fazer já. Seja a plantar hortas urbanas, a acalmar aos vícios monetaristas pela aposta numa economia local, que inclui até a possibilidade de criação de moeda própria, à semelhança do que sucede na Suíça como uma variante franco local, mas também em diversas comunidades britânicas, como a tal em Bristol da nota de 21 libras. Porque não?!, questionaram-se no início. Porque podemos!, reafirmam hoje os locais.

​​Foi essa procura de soluções alternativas que moveu esta pequena equipa, norteando-se sempre pela divisa da participação local. Na verdade, torna-se muito difícil não sentir vontade de aderir a estas soluções que “podem mesmo mudar o mundo”. De resto, este projeto teve como origem o estudo publicado na revista Nature em 2012, pelos cientistas Anthony Barnosky e Elizabeth Hadly, que apontava soluções urgentes para contrariar as reações imprevisíveis dos limites alcançados pela descuidada intervenção humana. Esse estudo impressionou a atriz Mélanie Laurent (que vimos em Comboio Nocturno Para Lisboa [ler crítica], em 2013), numa altura em que estava grávida, acabando por a motivar a “fazer um filme positivo”, uma espécie de legado para aos nossos filhos, baseado em soluções alternativas que não estejam exclusivamente dependentes em combustíveis fósseis.

O documentário, nomeado para os prémios César e Lumière, está dividido em capítulos, que dão conta das tais variáveis citadas, como a agricultura, a energia, a economia, a democracia e a educação, assinalando, para cada uma, diversas soluções práticas, algumas delas, mesmo desconcertantes. Como o caso das hortas urbanas que cresceram como cogumelos na cada vez mais despovoada Detroit e que fornecem hoje alimento a grande parte da comunidade, em vez do duvidoso monopólio da produção industrial à distância de vários milhares de quilómetros e, por conseguinte, demasiado onerosa. Mas também o uso de energias alternativas, dependentes da natureza, como a eólica, passando, naturalmente, pelas formas mais criativas de uma economia local sustentável e não dependente dos pouco democráticos conselhos de administração dos grandes bancos europeus. Uma lógica que nos pode até fazer torcer o nariz diante do sistema draconiano do Euro, assente em alguns princípios que se desejam aqui contrariar.

É claro que existe um lado didático em Amanhã que quase se sobrepõe aos próprios méritos cinematográficos, se bem que a presença discreta de Cyril e Mélanie limite esse lado mais panfletário. É claro que nada de mal vem ao mundo com esse lado denúncia ou do tal wake up cal. Antes pelo contrário.

O melhor: Há um lado didático que nos faz gostar do filme por isso mesmo.

O pior: O facto desse lado didático valer mais do que o filme

Paulo Portugal

 

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