Quinta-feira, 18 Abril

«Francofonia» por Duarte Mata

Talvez por este ter sido o regresso de Sokurov ao Festival de Veneza, após ter vencido a edição de 2011 com a sua interpretação vivamente pictórica do mito de Fausto ou talvez por Frederick Wiseman ter assinado um enorme filme há dois anos em torno da National Gallery [ler crítica], as expectativas do que o cineasta russo poderia fazer no Louvre tenham-se tornado excessivas da nossa parte.

Focando-se mais no museu francófono enquanto edifício histórico e não como guardião de séculos de arte, o realizador contempla o Louvre como testemunha fulcral da Segunda Grande Guerra. Nada contra, a revisitação da História sempre foi, aliás, um dos pontos mais interessantes da carreira do cineasta (recordem-se os três primeiros tomos da sua Tetralogia do Poder, em torno de certos episódios da vida de Hitler, Lenine e Hirohito). Mas, imagens de registo, e reconstituições de encontros entre a administração do museu com a escolta nazi dão uma infeliz construção cinematográfica que mais se aproxima a dezenas de documentários semelhantes (embora, vá lá, este seja narrada em russo, para dar uns pozinhos adicionais de eruditismo) do que propriamente as obras de fulgor intenso, com o seu quê de experimental a que nos habituámos da parte do cineasta. E, quando Sokurov quer inserir as características autorais do seu cinema (as imagens distorcidas e, maioritariamente, monocromáticas), fá-lo por mero maneirismo, como se estivesse convencido de que é isso o esperado do seu talento visionário, pela parte da audiência. Grande erro que acaba por fornecer um híbrido incomodativo, de pouca garra, embora com os seus méritos, como aqueles belíssimos planos aéreos sobre Paris que, quase de certeza, foram filmados recorrendo a drones.

É também o caso dos encontros imaginários com Bonaparte e a Marianne do quadro de Delacroix pelos corredores da instituição (melhor cena: ambos, lado-a-lado, contemplando a Mona Lisa, enquanto murmuram os ideais da Revolução Francesa), mostrando como o museu foi fundado sobre os ideais de pilhagem que advinham das várias conquistas (prosaicamente definidos como “troféus de guerra“). Ou como esta relação é contraposta com a que existiu entre Jaujard, antigo diretor do museu, e o oficial Nazi Wolff-Metternich que decidiram o destino das obras de arte que guardavam. Daí vem a parte didática e simbólica mais interessante deste filme, o mais semelhante que Sokurov fez ao que lhe trouxe a aclamação definitiva, A Arca Russa, também filmada num monumento histórico, embora com finalidades distintas.

Um lamento pelo fim da cultura? Não, um lamento pelas tristes condições em que esta pode ser criada. E resiste.

 

O melhor: Bonaparte e Marianne, os planos aéreos sobre Paris.

O pior: Sabe a pouco de um realizador que sabemos que é capaz de dar muito melhor.

Duarte Mata

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