Sexta-feira, 29 Março

«Love & Friendship» (Amor e Amizade) por André Gonçalves

Whit Stillman devia mesmo trabalhar mais. Love & Friendship é apenas o seu segundo filme neste século, cinco anos volvidos após Damsels in Distress ter passado despercebido e morrido num mar de novas sensações “indie”.

Com esta adaptação de um romance de Jane Austen, o realizador volta a ganhar uma projeção comparável à sua trilogia de filmes de culto dos anos 90: Metropolitan (nomeado ao Óscar de melhor argumento), Barcelona e The Last Days of Disco, que compõem a sua restante filmografia.

O mais imediato que se pode dizer desta obra irreverente e escorreita (com apenas hora e meia de duração) é que não mancha, quer a marca original da autora, quer o trilho que Stillman foi construindo e que encontra aqui um habitat perfeito para viver. A história de Lady Susan e o seu dom para manipular todos à sua volta para seu bom proveito está desde logo longe das heroínas benevolentes e geradoras da maior das empatias típicas de Austen, e talvez por isso, tenha a obra original ficado pelo manuscrito até à morte da autora de Orgulho e Preconceito … 

Stillman mímica a irreverência e as artimanhas da protagonista na maneira como apresenta a história e respetivos personagens, num argumento repleto de ironia e de um jogo de palavras que convida a revisionamentos, e que reencontra em Kate Beckinsale, 18 anos depois do relativo anonimato pré-Pearl Harbor em The Last Days of Disco (onde também contracenava com Choe Sevigny, por sinal), uma correspondência à altura para o papel principal. Beckinsale, que aliás tem no seu CV uma outra heroína de Austen (no telefilme Emma), tem sido quase sempre subusada por Hollywood desde que Stillman a tinha usado pela última vez, com raríssimas excepções (Nothing But The Truth [ler crítica], de Rod Laurie, vem à cabeça).

Ame-se ou simpatize-se apenas com o filme, dificilmente alguém negará que este é o seu grande momento – e não me chocaria se daqui a um ano a tivéssemos no lote das cinco nomeadas ao Óscar, juntamente com o design de produção e guarda-roupa igualmente vistosos … 

 

O melhor: Kate Beckinsale e a irrepreensível produção. 

O pior: A recusa de imprimir um toque mais sério aos procedimentos aumenta as hipóteses do público o descartar como o objeto leve que não é – o que não deixa de ser uma característica algo “Austeniana“. 

André Gonçalves

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