Sexta-feira, 29 Março

«La Patota» (Paulina) por Hugo Gomes

Uma verdade tem sido dita sobre Paulina, é que o filme de Santiago Mitre tem a capacidade de abanar consciências, mas é certo que nem todas as consciências são iguais nem sequer a sensibilidade do espetador. Como tal é fácil apontar o dedo e referi-lo como um fruto do ativismo feminino ou da emancipação da mulher enquanto figura idealista e convicta dos seus próprios atos. Mas o que vemos é uma simples “embirração” entre pai e filha e é com base nisso que a obra prefere desculpar-se perante o cenário aqui exposto.
 
A intriga segue uma mulher que luta contra a vontade do seu progenitor de fortes vínculos patriarcais, assim, sob um jeito desafiador, parte para uma localidade rural algures entre a fronteira argentina e paraguaia para lecionar os mais necessitados dessa região. O encontro com essa comunidade torna-se, no que aparentemente seria uma experiência fortalecedora, num desagradável choque cultural. É que na verdade os seus alunos encontram-se tudo menos interessados nos debates sugeridos por Paulina e a desordem é o habitual nestas aulas, mas o pior estava para vir. Numa noite, sozinha e a caminho de casa, Paulina é atacada e estuprada por um grupo de jovens locais. A partir desse violento episódio, a nossa protagonista terá que viver com os traumas induzidos e manter intactas as suas ideologias desde então formadas.
 
O vencedor da Semana da Crítica de Cannes, Paulina corresponde a um filme de fortes traços de realismo formal, um tom que é injetado neste assumido remake de La Patota (Desonra sem Passado). A outrora obra de contornos classicistas e novelistas do muito “populacho” Daniel Tinayre, é agora convertido num embrião de I Spit in Your Grave, sem os óbvios artifícios gore. Contudo, o “plot” vingativo mantém-se, não como um confronto direto, físico e sangrento aos seus agressores, mas emocional ao próprio progenitor. É tudo uma questão de provocação e pelo meio uma distorção dos padrões sociais e dos maniqueísmos que reflete na sua personagem (brilhantemente interpretada por Dolores Fonzi), mas o filme confunde essas ideologias próprias da homónima figura com o registo narrativo, sendo que a dita aliciação acaba por ser dirigida ao espetador.
 
Até aqui tudo parece bem, mas Paulina é incapacitada em manusear e diferenciar a personagem do filme propriamente dito, acabando tudo por ser uma “traquinice” de uma rapariga mimada e mal comportada. Santiago Mitre, realizador de El Estudiant e colaborador habitual de Pablo Trapero, tenta incutir uma obra cujo instinto é descartado, sendo que a rebeldia contra os vínculos passados é o seu maior objetivo. No final, tudo se resume a uma tentativa de ser politicamente incorreto, enquanto só se sabe ser politicamente correto.   
 
O melhor – Dolores Fonzi
O pior – não separar as águas entre a ideologia da personagem e a ideologia do filme
 
Hugo Gomes
 
 

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