Nos primeiros momentos, a morte toma o seu lugar na inospitalidade do cenário. Aí o tempo parou, mas as histórias entrelaçadas neste funeral anónimo florescem: a vida, seja ela qual, continua, seguindo o seu caminho entre os grãos que descem vagarosamente na sinistrada ampulheta. Nessas primeiras sequências é possível perceber o interesse do realizador Camilo Cavalcante em não ligar-se a estados temporais mas sim a crónicas desencontradas, enredos que encontram refúgio numa aldeia que, por sua vez, encontra-se “congelada” no referido tempo.

A História da Eternidade é uma parábola a esse mesmo tempo, que destrói tudo e ao mesmo tempo faz renascer nova vida. É nessa vida depois da morte que o filme interage em mais um “conto de faroeste” disfarçado que, em união com o recente Boi Néon (de Gabriel Mascaro), não oculta a rebeldia aos parâmetros estabelecidos da masculinidade. O ambiente religioso e conservador é apenas “sol de pouca dura“, até porque o enredo tem tanto de perverso como de mágico, confiando cegamente na sugestão, na memória, para expelir uma teia de infinidades. Entre espaços é ouvido Fala, cantado por Ney Matogrosso, a confirmar a pureza das artes performativas em consolidação com o másculo do seu teor indisciplinado. A sequência imergida nesta musicalidade invoca outro tributo quanto à narrativa desta história intemporal – o primitivismo – a ligação tenra entre Homem e a Natureza, entre o moderno civilizado e o folclore digno de um ancestral druida.

Camilo Cavalcante, mesmo sob a “cartada” de sugestões, não engana o espectador perante os seus conseguíveis truques de magia, os planos completamente panorâmicos que rodopiam as suas personagens desmascarando ilusões que, no entretanto, poderiam ser impostas e induzidas. A História da Eternidade remete todo esse jogo de misticismo, onde no final, no calor do conflito que cerca entre o grupo de personagens, é novamente o tempo, que é posto em prática, funcionando numa só vez, para apagar o irreversível e embarcar as personagens numa nova oportunidade.

Sim, é tudo uma questão do tempo, que voa ou opta pela imobilidade. Porém, conforme seja o seu “movimento“, o cinema continua a ser feito. Refletindo sobre esses espaços temporais que tão importantes foram para a evolução de uma arte. Simplesmente mágico!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
a-historia-da-eternidade-por-hugo-gomesUm dos grandes filmes brasileiros contemporâneos