Sexta-feira, 29 Março

«Akher Ayam El Madina» (In the Last Days of the City) por João Miranda

 

 

Khalid é um realizador que vive no Cairo, cuja vida está a sofrer várias perturbações, como a cidade que o rodeia: a mãe está no hospital, tem de abandonar o apartamento em que vive e a sua namorada vai abandonar o país. No meio de toda a mudança, Khalid luta para terminar um documentário, procurando um sentido para o filme e para a sua vida. Apesar de ficção, tem um forte componente autobiográfico do realizador Tamer El Said, com referências à sua família e vida.

Filmado durante vários anos, pretende, segundo o próprio realizador, “mostrar as contradições da cidade […] a violência que aumenta […] e documentar o silêncio de quem vê as suas cidades serem conquistadas pela opressão, a ignorância e extremismo”. Apesar das boas intenções, In the Last Days of the City é um filme insuficiente. Ao focar-se exclusivamente no lado de quem se limita a ficar de lado a assistir ao que sucede à sua volta (e que se arrasta por todo o filme com ar de que lhe roubaram o chupa-chupa), este provoca uma sensação de alienação. Pior, não havendo nada que nos leve a relacionar com as personagens, não conseguimos preocupar-nos com o que lhes acontece, só aumentando o desconforto com a passagem do tempo e levando a que se consulte o tempo que ainda falta para o fim (foi mesmo necessário uma das funcionárias da Culturgest pedir a uma das pessoas que desligasse o telemóvel, porque este obviamente achava o que aí via mais interessante do que se passava na tela). A tentativa de construir a posteriori um contexto político é de uma incapacidade atroz e tem o mesmo resultado que tentar discutir política com um adolescente: muitas certezas e ideias, pouca experiência e capacidade crítica.

Tecnicamente, este é também um filme insuficiente. Como um espetáculo de magia onde o ilusionista apenas sabe 3 truques, estes repetem-se constantemente de forma não-pensada e aborrecida. A montagem fragmentada, com os diálogos a sincronizarem-se com a imagem de tempos a tempos, é aqui abusada de tal maneira que, mesmo que alguém quisesse defender o seu uso (para transmitir a natureza fragmentária da memória, por exemplo) teria alguma dificuldade em apresentar uma visão coerente para todas as suas utilizações. As reencenações de situações que o realizador perdeu (manifestações e perseguições durante os protestos em Tahrir) são feitos de maneira tão inepta que mais valia ter recorrido a imagens de arquivo. As cenas finais e a música ao longo do filme são tão incapazes de suscitar qualquer sentimento pela sua grosseria que, apesar do que tentam fazer, são apenas ridículas e mostram que este realizador ainda tem muito que aprender.

No entanto, o grande defeito, como em tantos filmes que aparecem agora em festivais, é a falsa dicotomia do impor a câmara aos outros (de forma voyeurística e inconsequente) para mostrar “a realidade” ou de virá-la para si mesmo para mostrar a emoção e o “sofrimento” individual (há, quase no fim do filme, uma cena num beco que é tão absurda que o próprio realizador a censura, usando para isso a personagem do editor). Como já o disse noutra crítica, este é mais um filme-umbigo, que documenta apenas o narcisismo e ego de quem o fez, não chegando a ser útil para mais ninguém (a não ser, talvez, como aviso).

O Melhor: As intenções.
O Pior: Mais um filme-umbigo.  

 
 
João Miranda
 

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