Depois disto, há que peticionar a beatificação de Valeria Golino e fazer chegar tal rogação ao Vaticano! Bem, é melhor não exagerar, quase mesmo tendo chegado a tais conclusões.

O problema aqui não é a atriz, que o público mais mainstream conhece do duo cómico de “Hot Shots!” (“Ases pelos Ares”), mas sim do empenho do realizador Giuseppe Gaudino em criar uma epopéia martirológica de uma mulher de bem num cenário inóspito de oportunidades. E é nesse empenho, contando com o apoio do uso de manipulação visual, que deparamo-nos com um retrato artificial e por vezes piroso da Santa das Boas Causas que se tornou Golino.

Talvez seja a boa causa de entrar num filme tão inexpressivo como este que a faz considerar-se como uma atriz de força e de sacrifício. Anna é uma mulher desiludida com a vida mas sonhadora, sendo esse sonho o mar (aqui representado através de vivos tons azulados que destacam da fotografia maioritariamente cinzenta), o único motivo pela sua luta diária. Enquanto os que a rodeiam consideram a protagonista numa “amaldiçoada” pelos infortúnios do seu quotidiano, Anna, assumidamente corajosa, tenta sobretudo encontrar uma saída através da maldição que a anexaram.

Recorrendo a constantes cânticos na sua narrativa, como coros clericais que pronunciam o nascimento de um ser altamente divino, Anna é uma personificação da ideologia cristã-católica, onde o sacrifício, quer físico, mental e material, é correspondido com chaves para o Paraíso eterno. Infelizmente é sob essa doutrina religiosa que o filme encontra a sua pura ingenuidade, uma inocência fatal com deveras responsabilidades para com a imagem límpida da atriz e da sua personagem.

O resto é lugares-comuns nos parâmetros de donas-de-casa desesperadas que não figuram na classe média, desde os clichês de maridos adeptos de violência doméstica, filhos com problemas fisiológicos e sufocos financeiros. Para além das rotinas, sinistramente representadas por autocarros encharcados, cujo seu interior ecoam preces e confissões não respondidas. Poderia existir neste exercício algo fascinante, porém, o seu pretensiosismo extremo a converte num verdadeiro e esquecido mártir.

Em Veneza, esta prestação sofrida valeu a Valeria Golino a distinção de Melhor Atriz (Prémio Volpi Cup), a chave do seu merecedor canto do Paraíso. A compensação de tão disforme obra.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
per-amor-vostro-por-hugo-gomesValeria Golino, a atriz-santa de um filme-danação