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«L’Ombre des Femmes» (À Sombra das Mulheres) por Duarte Mata

Para quem viu Ciúme, o anterior filme de Philippe Garrel, apercebeu-se que o cineasta quebrava parcialmente a fórmula que vinha seguindo há mais de uma década, na medida em que o seu protagonista, ao confrontar-se com o desespero, escolhia viver e não sucumbir ao suicídio. Admirasse-se ou não essa (belíssima) obra, a questão ficava: estaria Garrel, após tantos filmes magoados e tétricos, a tornar-se esperanço, isto é, a deixar os seus protagonistas encontrarem uma chance na redenção? À Sombra das Mulheres, o seu mais recente trabalho, era, portanto, imprevisível. E, de facto, trata-se de um objeto tão singular na carreira do cineasta francês que chega a ser uma rutura quase total dos seus últimos trabalhos, onde, para além de não ter qualquer momento improvisado, já nem há vestígios do experimentalismo dos anos 70, nem o derrotismo das histórias convencionais que se lhe seguiram. Agora é possível a reconciliação, a morte ao serviço do amor, e não o contrário.

A intriga envolve um realizador de documentários, Pierre, e a sua esposa, Manon, que o assiste. São pobres e estão a fazer um filme sobre um membro da Resistência francesa. Pierre começa a trair a sua mulher sem qualquer remorso. Até que provará do seu próprio veneno.

O elenco é fabuloso, Stanislas Merhar vem substituir Louis Garrel (aqui presente como narrador) que tinha vindo a ocupar o papel principal nos filmes do seu pai e faz todo o sentido que assim seja. Merhar transporta ao longo da hora e pouco de filme um rosto apático, próprio da misoginia e incapaz de nutrir qualquer paixão, ao contrário da faceta de Louis que mostrava genuína dor e ternura. Mas é Clotilde Courau o centro de gravidade do filme, representando na perfeição a ingenuidade e o engano da esposa. É ela, nesse misto entre ternura e aleivosia, que define os contornos da sombra feminina do título, atormentando gradualmente o narcisismo do protagonista masculino.

A expressividade visual, felizmente, mantém-se. À Sombra das Mulheres é belo, demasiado belo, indo ao cerne dos sentimentos pelos pequenos quadros que vai criando num preto-e-branco de majestosa melancolia. Puro e sincero, trata-se do filme de Garrel mais terno e feminista. E depois? Depois há aquele final, que só nos relembra o Viagem a Itália de Rossellini: na guerra de infidelidades (pois as personagens espiam-se por trás de prédios, como soldados prestes a atacar), o amor é quem resiste.

O melhor: A rutura total à fórmula que o realizador tem seguido nos últimos anos, dando um filme surpreendente e inesperado.
O pior: nada a apontar.


Duarte Mata