Terça-feira, 16 Abril

«Homo Sapiens» por Paulo Portugal

Foi um daqueles casos que acontece tantas vezes em festivais, onde entramos numa sala para ver um filme onde sabemos apenas o título. Ainda que no caso do documentário do austríaco de 44 anos, Nikolaus Greyhalter, a única coisa que nos seduziu foi o facto de não ter diálogos. O que para um filme de cerca de 90 minutos pode parecer demasiado arriscado, não foi. De resto, não deixou de ser uma experiência singular, assistir a um filme onde o absoluto silêncio da sala (tirando um ocasional ressonar de algum espectador vencido) era apenas entrecortado pelos ocasionais sons da natureza.

De resto, as imagens retratavam o que bem poderia ser um cenário pós-apocalíptico ou de um filme de ficção científica, pois o que vemos é uma sucessão de planos fixos, extremamente bem cuidados, onde se percebe que a vida passou por ali, mas há muito se foi deixando que a natureza gradualmente tomasse conta, infiltrando-se nas entranhas dos edifícios, armazéns abandonados, espaços de lazer, escolas, prisões, um reator de um central nuclear abandonado…

As únicas personagens são pássaros ocasionais, ainda que não raras vezes, captados em momentos em que quase acedem participar no filme, como que sentindo saudade dessa presença humana. Mas os sons da natureza parecem também escapar à mera condição aleatória e antes participar numa certa (des)ordem. Os dos pássaros, insetos, as folhas espalhadas no chão a lançarem lentamente com o vento, as areias a movimentarem-se com o vento. Como que a sussurrar que a catástrofe natural ou humana que por ali passou deixa marcas para o futuro.

Pressentem-se rumores de Chernobyl, percebem-se os ecos de Fukushima, e de eventuais outros desastres, mas também de meros abandonos territoriais, embora os créditos finais nada confirmam. Não é o elencar que mais parece interessar a Grayhalter, mas esse testemunho do que foi humano e deixou de ser. Um momento em que só o silêncio nos permite. Como nos blocos de informação da Euronews, ‘no coments‘…

O melhor: A ideia de que o peso das imagens, e a sua composição, dispensa totalmente os diálogos.
O pior: A ideia de que o final poderia ter chegado alguns minutos mais cedo.


Paulo Portugal

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