Sexta-feira, 19 Abril

«Regression» (Regressão) por Jorge Pereira

Depois de um brilhante arranque com Tesis e De Olhos Abertos (que viria a ter o remake Vanila Sky), o chileno-espanhol Alejandro Amenábar entrou pelo cinema de Hollywood com uma variação curiosa das histórias de fantasmas com Nicole Kidman à cabeça: falamos de Os Outros, filme entre o drama e o terror que explorava muito bem a sua reviravolta para entregar um projeto sólido no pós Sexto Sentido de M. Night Shyamalan. Seguiu-se um regresso a casa, na forma do drama Mar Adentro, e uma viagem novamente em língua inglesa, desta vez na forma de um fracassado e dispensável Ágora.

Com pontos altos na sua carreira, era assim de esperar que este seu Regressão pudesse representar um retorno de Amenábar à melhor forma, até porque, dada a sua filmografia, este não era território virgem para o cineasta trilhar. Porém, este drama que viaja também entre o thriller, o terror e o policial, é demasiado frouxo e genérico para nos conquistar.

Ainda antes de começar a ação, somos confrontados com uma introdução onde se nota que o filme está de qualquer forma ligado a casos reais ocorridos nos EUA nos anos 90 e que estão conectados à paranoia satânica que assolou o país. Para quem sabe um pouco do tema, essa “paranoia” surgiu principalmente após a publicação em 1980 de Michelle Remembers, um livro escrito por Michelle Smith e pelo marido, o psiquiatra Lawrence Pazder, que apresentava – num jeito autobiográfico – a primeira reivindicação moderna do abuso de crianças através de rituais satânicos.

Apesar de desacreditado, o livro e a sua disseminação levaram a que, em pouco tempo, se multiplicassem pelos EUA os relatos de crianças alegadamente abusadas por uma organização secreta satânica gigantesca ligada as esferas do poder. Como seria de esperar, as autoridades investigaram, sendo produzidos relatórios e livros extremamente interessantes sobre o tema, não só a nível das forças da lei (1, 2), mas igualmente em trabalhos académicos (3).

Prosseguindo no filme, e depois de Amenábar dar um verdadeiro tiro no pé com a introdução (quem a lê adivinha, passados 10 minutos de filme, o resto), neste Regressão acompanhamos a história de uma rapariga, Angela Gray (Emma Watson), que alega que o pai abusou sistematicamente dela no último ano. Chamado a depor perante o detetive Bruce Kenner (Ethan Hawke), o pai (David Dencik), um ex-alcoólico, não crê que a filha mentisse numa situação destas (ela sai à mãe, não mente…) e, apesar de não ter memórias sobre o caso, decide compactuar com a versão da jovem e aceitar a sua culpa. Mas este caso pode ser apenas o primeiro de uma rede maior, entrando o detetive Kenner numa verdadeira caça a um culto que aos poucos o deixa completamente obcecado e até em risco, entrando pelo caminho a terapia hipnótica da regressão (uma pseudo-ciência) que procurará encontrar nos recantos da mente a verdade oculta sobre os factos.

Apesar de tentar manter um ambiente de inquietação permanente, este filme de enganos, reviravoltas e confabulações desenrola-se sem qualquer ponto demarcado ou uma verdadeira marca autoral, podendo mesmo ser um trabalho genérico de qualquer cineasta made in Hollywood. Isso não seria problema ou redutor se este fosse o primeiro filme do espanhol, coisa que não é, o que nos leva a que sejamos muito mais exigentes naquilo que esperamos dele.

Assim, e dados os elementos já vistos e revistos nos géneros aqui presentes, o único interesse recai nas personagens e no seu desenvolvimento até ao tal final esperado. E embora o núcleo de atores, em especial Ethan Hawke, cumpra o seu papel e se esforce, tudo o resto – enredo, sustos, etc. – é demasiado superficial e previsível para realmente nos conquistar. Voltando a Hawke, este explora bem o seu estatuto de solitário completamente obcecado pelos contornos misteriosos do caso. A sua transformação pessoal ao longo do filme, e o entranhar da paranoia satânica no seu quotidiano, é mesmo uma das grandes mais valias. Já Watson entrega uma prestação com altos e baixos, sendo de destacar pela negativa a sua primeira aparição no filme, muito pouco conseguida.

No meio disto tudo, acaba por ser mais interessante ler um livro e perceber mais sobre o fenómeno do pânico moral e da paranoia satânica nos EUA, do que guardar este filme na memória por qualquer mérito cinematográfico. Talvez Amenábar deva recorrer à regressão hipnótica e perceber o ponto em que começou a decair no trabalho que apresenta. Mas nem isso deve resultar (4).


Jorge Pereira

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