Quinta-feira, 25 Abril

«The Revenant» (The Revenant: O Renascido) por Hugo Gomes

São muitas as proezas da produção neste The Revenant: O Renascido, o proclamado western gélido de Alejandro G. Iñarritu que é baseado numa história real mas assumidamente solto das amarras factuais.

Depois de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), onde por fim se demarcou da sua jornada pelo realismo formatado exercido desde Amor Cão, o realizador partiu com a sua equipa para as paisagens quase indomáveis do Canadá, EUA e Argentina, filmando com o mínimo possível de tecnologia e luz artificial um ensaio martirizado de um ator em constante mudança. Esse mesmo, Leonardo DiCaprio. Longe do ambiente vivido pelos grandes estúdios e das respetivas produções, o ator envolve-se sob uma aura de naturalismo e de sofrimento contido para envergar a pele de Hugh Glass, a personagem que viveu em pleno século XIX uma derradeira batalha pela sobrevivência, um esforço conseguido para levar a cabo uma tremenda vingança.

Deixado à mercê da sua sorte por dois homens que o juraram proteger, após sofrer um ataque de um urso, Glass aventura-se por um ambiente selvagem ainda vinculado ao misticismo e aos medos primitivos. O ator requisita um sacrifício físico em prol da sua personagem, sujeitando-se aos cenários mais cruéis, como um corpo vazio de alma, mas erguido com a subsistência da vida. Se o empenho do ator é doloroso até mesmo de assistir, a câmara de livre árbitro de Iñarritu, que se instala em longo planos e condiciona o olhar do espectador, atribuiu o seu “quê” de grotesco neste espectáculo cinematográfico.

É verdade que este western é bem-sucedido do ponto de vista técnico (a fotografia de Emmanuel Lubezki é um must que ousa em desafiar muito dos trabalhos de Hollywood, graças à exigência da luz natural) e mostra-se audacioso na sua composição performativa. O realizador prova mais uma vez que é um nome a ser decorado nos cantos e recantos do cinema moderno, mas há que confessar o cansaço que esta fita evidencia ao fim de duas horas e meia de duração, como se tudo soasse a um exercício cinematográfico demasiado ganancioso para cortes editoriais.

Mas se esta demanda rara no panorama atual demonstra o quão grande é a ambição de Iñarritu em declarar o seu lugar cativo na mesa dos grandes do seu ramo, a verdade é que essa grandiloquência leva o mesmo a esgotar-se e a recitar outros “colegas”. Nota-se, por exemplo, os tiques ocasionais “à lá Terrence Malick”, como se não bastasse o verdadeiro e as marcas autorais que o celebrizaram, como também a exposição abusiva que um Kechiche tentaria requisitar nos seus próprios trabalhos. Enfim, podem-se chamar referências ou cópias, caso estejamos de um ou de outro lado da barricada, mas nada disso retira o mérito a esta odisseia de vingança, que é sem dúvida uma das mais pungentes que o cinema filmou nos últimos anos. E quanto a DiCaprio, temos um ator para “qualquer obra”!

O melhor – Leonardo DiCaprio, a coragem da produção e a crueldade das filmagens
O pior – Índios e bosques imensos intocados pelo homem “branco”, isso tudo bem, mas toques de Terrence Malick nesse contexto já devem ser considerados meros clichés!


Hugo Gomes

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