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«The Big Short» (A Queda de Wall Street) por Hugo Gomes

A crise económica de 2008, a maior desde a Grande Depressão, foi gerada graças a um efeito dominó causado por um “sistema baseado em fraudes e estupidez“, citando as palavras da personagem de Steve Carell, aquele que se apresenta como um dos “verdadeiros” sobreviventes deste cenário de apocalipse financeiro.

The Big Short, traduzido com o pouco imaginativo título A Queda de Wall Street, funciona como uma Noite dos Mortos-Vivos deste atentado bolsista, caso queiramos resumir todo este episódio histórico e aludi-lo à famosa trilogia de George A. Romero, onde um grupo de quatro “cavaleiros do armagedão” profetizam uma tremenda exposição às verdadeiras fragilidades da economia norte-americana. O resto, a concretização dessa premonição, é o caos propriamente dito, um cenário que está no conhecimento de todos, até mesmo fora do território dos EUA onde as “réplicas” foram e continuam a ser sentidas.

Pois bem, eis um retrato que nada adianta sobre esse capítulo negro do capitalismo, mas que também contra o qual não podemos fazer objecções, desde que não se cometa o erro de tornar estes protagonistas em heróis desarmados ou vitimas martirológicas. Neste caso, o novo filme de Adam McKay, o mais “sério” da sua carreira, não é nenhum ataque aos direitos civis nem o branqueamento de uma devastadora tragédia.

Trata-se sim, de um filme erguido com um tremendo sarcasmo, refletido na personagem de Ryan Gosling, que tenta ser o “smartest guy in the room“, o grilo da consciência que constantemente nos adverte quanto à hipocrisia deste jogo de monopólio. As suas aulas de etiqueta são pontuadas por sequências que exploram a permanente superfluidade, como o impagável momento em que o espectador conhece o significado dos subprimes lecionado por uma Margot Robbie que simultaneamente desfruta de um banho de espuma e um copo de champanhe. O aviso para a navegação é que muita desta linguagem técnica é complicadíssima de entender e um método linguístico, uma espécie de dialecto inventado, para afastar os “meros mortais” destes prestigiantes residentes de Wall Street.

Como dá para perceber, A Queda de Wall Street é sempre cínico durante o percurso a esta catástrofe financeira, recorrendo a personagens que não saem da caricatura e situações que não ousam ser mais que esquematizações. Evidencia-se um efeito Titanic, onde os protagonistas tudo fazem para ter acesso ao seu “bote salva-vidas” e cuja calamidade é já um ato esperado desde o início dessa fita. É surpreendente a forma como McKay, detentor de algumas das comédias norte-americanas mais inteligentes dos últimos anos (O Repórter: A Lenda de Ron Burgundy, As Corridas Loucas de Ricky Bobby), como também das mais “idiotas” (Filhos e Enteados, Agentes de Reservas), anseia sobretudo ser levado a sério na indústria cinematográfica. Aqui, o realizador emana um registo cómico-dramático propicio à crítica, sendo esse o seu melhor trunfo nesta arriscada aposta.

Contudo, não consegue de maneira alguma, largar as raízes da comédia e ainda mais às suas tendências televisivas, notando-se numa realização que aspira a um realismo formatado, mas que ao invés funciona como um falso-documentário forçado ao estilo de The Office – O Escritório … E não, essa comparação não é pelo simples facto de possuir Steve Carell novamente como epicentro da intriga.