Sexta-feira, 19 Abril

«Mediterranea» por José Raposo

A estreia na longa-metragem de Jonas Carpignano é um retrato urgente sobre um momento particularmente trágico da história contemporânea: a imigração. Carpagiano afasta-se por completo do mediatismo que ofusca a discussão, colocando o cinema ao serviço da história de pessoas que arriscam as suas vidas rumo ao ocidente. Ayiva (Koudous Seihon) e Abas (Alassane Sy) anseiam uma vida melhor para as suas famílias, deixando o Burkina Faso rumo a Itália. Mas Carpigano não coloca as coisas neste plano literal, aprofundando inclusivamente e com uma sensibilidade próxima do neorrealismo algumas das questões mais problemáticas em torno dessas dramáticas circunstâncias.

A história é inspirada nas experiências de vida de um atores, Koudos Seihon, e nesse sentido bem podemos dizer que é a sua presença num mundo que não é o seu que coloca o filme em andamento. Não há aquele impulso de fazer confluir as condições materiais de existência contemporânea com as do próprio cinema (Miguel Gomes, Pedro Costa), mas isso não implica uma cedência ao oportunismo mercantil que frequentemente paira sobre essa categoria francamente nebulosa que é o “world cinema“. Carpignano afirmava em entrevista que uma das suas principais tarefas passou por estabelecer um conjunto de parâmetros que pudessem oferecer alguma liberdade de improviso aos seus atores, e isso traduz-se em sequências onde a composição do plano se torna secundária. O registo documental, mesmo arriscando um lugar comum, expressa sobretudo uma atenção particular às condições especificas de Ayiva e Abas. A atração de Carpigano pelo rosto dos seus atores, pela presença física nos espaços da imigração, tem mesmo o efeito de colocar em fora de campo o que resta do mundo, e essa é uma brutal dramatização das condições dos imigrantes.

Mas há alguns momentos em que a textura do ocidente entra pelo filme dentro, colocando Ayiva e Abas sobre influência de um sistema de circulação de bens materiais, de valores e afetos que no seu conjunto permitem justamente fixar uma imagem do nosso tempo. É um tempo atravessado pela circulação de produtos “tecnológicos”, “digitais”, obtidos em condições laborais para lá de precárias e associadas ao trabalho manual, próximo da natureza; pela presença de uma musica popular que se globalizou e é fator de união e comunhão através do espaço; e uma época, temos mesmo que o lamentar, marcada por uma profunda falta de humanidade em relação ao outro e à sua experiência do mundo.

O melhor: Uma corajosa primeira longa-metragem que procura dar visibilidade a um conjunto de experiências sobre o mundo, apesar do mundo.
O pior: Nada a pontar


José Raposo

Notícias