Da mesma maneira que o filho de Apollo Creed, Adonis Johnson, tem de lidar com o legado do pai neste sétimo filme da franquia Rocky, Ryan Coogler, o realizador, sente em toda a linha o peso de uma saga iniciada há cerca de 40 anos e que hoje em dia mais parece uma máquina industrial obrigada a vender a mesma história vezes sem conta a diferentes gerações.

É certo que Rocky sempre foi um instrumento do modo de vida americano, e nem é preciso ir ao óbvio filme propaganda em plena Guerra Fria, Rock IV, para compreender isso – já em 1975, data do primeiro filme da franquia, a Academia de Hollywood se rendia aos seus encantos, preferindo-o em detrimento de outras obras visionárias, como Taxi Driver ou Os Homens do Presidente, mas que apresentavam uma imagem mais negativa do império. Rocky Balboa e este Creed esboçam, por assim dizer, uma outra parte do sonho americano: como sobreviver depois de ser uma estrela, como lidar com a velhice e como assumir uma vida mais mundana longe dos holofotes, passando o legado.

A reciclagem dos ideais do primeiro filme nota-se em todas as linhas do argumento e das personagens deste Creed, no qual o cineasta indie (conhecido por Fruitvale Station) volta a chamar Michael B. Jordan para assumir a liderança. Mas por mais que Coogler se esforce por fugir ao tom emocional presente na maioria dos dramas do mundo dos ringues, e até aja insistentemente de forma subtil e contida na apresentação dos diferentes elementos, nunca consegue escapar a uma obrigatoriedade e ao cunho pessoal da franquia: a de ser um “feel good movie” sobre superação pessoal.

Assim, e como “crowd pleaser” previsível e esquemático que é, Creed encaixa-se confortavelmente na fórmula Rocky, já que assistimos a um “underdog” a superar as probabilidades à medida que vai conquistando a sua identidade e afirmação pessoal. Não surpreende, por isso, a série de lugares comuns com que somos presenteados, a começar por aquele que é o alicerce moral da narrativa, a figura do sábio mentor sempre disposto a ajudar o nosso pugilista a lidar com a inexperiência (no desporto e na vida), com Rocky/Stallone a ocupar o papel outrora desempenhado pelo velho Mickey. As diversas sequências de treino sempre nos limites, o romance adocicado, o vilão rufia como oponente; e, com certeza, um combate final que tenta arrastar emocionalmente o espectador para dentro do ringue, nunca vão muito além do seu propósito, esgotando-se antes numa lógica de fórmula já batida.

No meio de tanto déjà vu, onde Filadéfia é novamente chamada para agir como uma personagem, com direito a uma sequência com motards a tenta mostrar que Adonis é também ele um lutador “das ruas”, acabam por ser Michael B. Jordan e Sylvester Stallone, com uma boa química cinematográfica, os únicos elementos que merecem destaque, até por causa da forma complementar com que exploram os seus dramas existenciais e demónios internos. A passagem do tempo na personagem de Stallone é acentuada por uma representação com algum humor, que contribui para o retrato de uma velhice doce, senão mesmo terna. Já o jovem Creed parece ir no sentido inverso das estrelas atuais do desporto, renunciando à ostentação e procurando um outro caminho mais humano e moral. E embora este filme até consiga sobreviver isoladamente, é também verdade que é certamente um dos menos espectaculares e mais mecanizados ensaios da franquia. 

Quando chega ao último terço, não interessa quanta genica o duro combate final transmite, mesmo recorrendo a planos sequência entusiasmantes. Nós sabemos sempre como tudo vai terminar: com o reconhecimento por parte de um publico inicialmente hostil. Por isso, podemos mesmo dizer que este é um filme que se encosta demasiadamente às cordas, vivendo muito à custa da nostalgia que prende o espectador a todo este universo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Hugo Gomes
creed-creed-o-legado-de-rocky-por-jorge-pereiraExtremamente previsível no seu misto de sequela, remake, reboot e spin-off