Quinta-feira, 28 Março

«99 Homes» (99 Casas) por Fernando Vasquez

Não faltam exemplos de filmes que se atreveram a abordar a crise financeira, mas são raríssimos os casos que se debruçaram sobre como tudo começou: a crise do imobiliário nos Estados Unidos da América.

O cineasta norte-americano Ramin Bahrani, mais conhecido por êxitos tímidos como Man Push Car e Chop Shop, não se vergou perante a possibilidade de retratar um dos mais significativos e também esquecidos dramas da crise, e no seu novo trabalho, 99 Casas, fá-lo com certa destreza.

O filme conta-nos a história de Dennis Nash (Andrew Garfield), um pai solteiro que se vê confrontado com dificuldades financeiras que não o permitem manter a casa que partilha com o filho e a sua mãe (Laura Dern). Por ironia do destino, a única alternativa de emprego que lhe resta é oferecida por Rick Carver (Michael Shannon), o agente que despejou a sua família na rua. Apesar do inevitável dilema moral, Carver rapidamente se torna mentor de Nash, mostrando-lhe todos os truques e artimanhas que permitem aos mais astutos não só sobreviver, mas também prosperar com a miséria dos outros. Perante a natureza abusiva da sua nova ocupação, Nash vê-se obrigado a decidir até que ponto está pronto a ir para garantir um mínimo de conforto à sua mãe e um futuro ao seu filho.

Bahrani é suficientemente eficaz na forma como retrata um drama social de enorme relevância sem nunca ser melodramático em demasia. São raros os momentos em que o confronto assume tons comoventes, conseguindo assim valorizar os periodos em que é inevitável demonstrar o verdadeiro impacto do trabalho dos agentes contratados por bancos e instituições financeiras para fazer o seu trabalho sujo.

O contraste entre a ostensividade da vida de Carver e a realidade de Nash está perpetuamente presente, mostrando bem o processo de tentação que leva a tantos abandonar convicções em nome de dinheiro fácil.

Talvez o grande triunfo de 99 Casas identifique-se melhor na performance de Michael Shannon. Muito ao género do afamado Gordon Gekko de Wall Street de Oliver Stone, Carver é um predador legitimado por uma filosofia de exploração. Não lhe faltam argumentos para justificar as suas ações, desmascarando, até certo ponto, muitas das atrocidades cometidas nos últimos anos. Neste aspeto o ator norte-americano destaca-se ao personificar o papel de vilão cruel e sedutor muito além do convincente.

99 Casas peca, no entanto, por se reduzir a uma visão demasiado rudimentar da crise, onde os vilões são demasiadamente unifacetados, ou até mesmo simplista. Ao optar por este caminho, Bahrani perde uma oportunidade de ouro para abordar um tema complexo e com múltiplas interpretações, visões e fontes, sem abrir espaço a qualquer sinal de redenção.

Apesar do cariz humilde das intenções do filme, e do seu universo preto e branco, 99 Casas não deixa de representar uma perspetiva interessante, relevante e cativante de um drama social que o mundo ocidental rapidamente passou para segundo plano.

O Melhor: a performance de Michael Shannon
O Pior: A simplicidade de visão dos exploradores da crise


Fernando Vasquez

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