Quinta-feira, 28 Março

«The Danish Girl» (A Rapariga Dinamarquesa) por Hugo Gomes

The Danish Girl (A Rapariga Dinamarquesa), o mais recente trabalho de Tom Hooper, entra automaticamente em paralelismos com A Teoria de Tudo, de James Marsh. Sim, a biografia de Stephen Hawking tem muito de comum com a história de vida da primeira transexual do mundo.

O elo número um está à vista de todos: Eddie Redmayne protagoniza e novamente num trabalho de metamorfose (sem falar dos camaleónicos maneirismos) onde terá que passar por uma constante transformação que, ditará não só o seu destino, mas o da sua cônjuge. Aí passamos para a segunda ligação entre os dois filmes: ambos visam dois seres inadaptados na sociedade, e são narrados sob a perspetiva das suas esposas mártires, que embora sejam lutadoras e cúmplices sentem-se vulneráveis a recaídas e dúvidas quanto às batalhas que travam. Assim viramos para o terceiro e último elo: o facto de serem dois filmes biográficos distintos, mas consolidados com um gosto e requinte pelo academismo formal. Neste caso, A Rapariga Dinamarquesa é pontuada pela veia classicista de Tom Hooper, que foi há alguns anos consagrado com o Óscar por O Discurso do Rei. Nesse sentido, tudo resulta numa obra longe da provocação e apenas conformada com as convenções e esquematização do género das cinebiografias.

Outras razões que levam A Rapariga Dinamarquesa a ser simplesmente inofensivo é o facto de nunca saber explorar o lado psicológico das suas personagens, oferecendo outro retrato falhado sobre a transexualidade e o travestismo, tratando ambos os “diagnósticos” como vícios narcóticos. É um olhar desentendido e radical a uma complexidade comportamental e sexual, dando a sugerir que a crise de identidade do nosso Einar Wegener (Redmayne) começou no preciso momento em que a sua esposa, a artista Gerda (Vikander), o incentivou a travestir-se para substituir uma modelo. Por outras palavras, foi uma casualidade que levou Einar a converter-se em Lili Elbe, que no futuro se tornaria num exemplo para os seres inconformados com o seu corpo e género.

Infelizmente o filme recorre ao básico sentido de “recontar” as passagens, de ilustrar eventos e nunca, mas nunca, aufere uma maior dimensão às suas figuras. Como consolo, os desempenhos são verdadeiros mimos: Eddie Redmayne confirma a sua eficácia em “mascarar-se” face aos desafios interpretativos que a sua carreira parece prover, mas é em Alicia Vikander que curiosamente as atenções reincidem. Para além de partilhar o protagonismo com oscarizado ator de A Teoria de Tudo, a atriz sueca –  que tem estado em destaque nos últimos anos – consegue acompanhar a sua jornada martirológica com graciosidade, transcendendo emocionalmente a sua personagem,  indevidamente mal tratada pelos argumentistas e nunca sustentada pelo realizador – o qual tem aqui o seu trabalho tecnicamente mais desleixado da sua filmografia.

Podia A Rapariga Dinamarquesa ser um grande filme? Podia, e tinha tudo para o ser, mas não foi.

O melhor – Os desempenhos
O pior – o tratamento esquemático e sem profundidade de um tema delicado. Um oportunidade desperdiçada.


Hugo Gomes

Notícias