Quinta-feira, 28 Março

«Spotlight» (O Caso Spotlight) por Fernando Vasquez

 

Tom McCarthy é um daqueles casos raros do novo cinema norte-americano. Os seus primeiros trabalhos pautaram-se por tons discretos mas extremamente intensos, como foram os casos do menos conseguido Todos Ganhamos (2011) ou do excelente O Visitante (2007). Em particular no segundo exemplo, o jovem realizador mostrou uma capacidade nata e rara para explorar performances modestas enquanto lidava com temas de enorme relevância social e política, sem nunca recorrer aos velhos truques melodramáticos. O sucesso moderado dos seus filmes abriu-lhe finalmente as portas para outros voos e a resposta dificilmente poderia ter sido mais contundente.

Regressa agora com O Caso Spotlight, o retrato da investigação de um pequeno grupo de jornalistas do Boston Globe que desmascarou toda uma rede de pedofilia bem no ceio da igreja católica norte-americana.

A chegada de um novo chefe de redação, Marty Baron (Liev Schreiber), aos corredores do Boston Globe, representa uma mudança radical de atitude num jornal em profundo declínio. Com renovada ambição, os jornalistas Mike Rezendes (Mark ruffalo) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), entre outros, iniciam uma investigação meticulosa sobre algumas suspeitas que assombravam um grupo de clericos da cidade de Boston. Detalhe a detalhe, a investigação vai revelando uma complexa cadeia de interesses e crimes de pedofilia que são bem mais sintomáticos do que espontâneos.

Inspirado em factos verídicos, que ainda hoje ecoam por toda a sociedade norte-americana, O Caso Spotlight é um filme extremamente parco e pertinente, que se reveste de uma importância ainda maior devido ao seu método e objetivo.

Numa altura em que o jornalismo é uma presa facilmente manipulada por interesses ilegítimos, e repetidamente atacada por esse mesmo facto, O Caso Spotlight oferece um vital olhar que nos relembra a importância de um jornalismo eficaz e impiedoso para o bom funcionamento de uma democracia. Ao contrário de outros filmes do género, McCarthy não se rende a uma visão heroica e estereotipada dos protagonistas. Este não é um retrato de um grupo de jornalistas fora do baralho, com hábitos e métodos duvidosos, eternamente desenquadrados com o sistema. Pelo contrário, as personagens chegam mesmo a esbarrar na banalidade, seguindo as regras básicas do jornalismo de investigação à risca. O resultado é deveras interessante, permitindo que o desenrolar da informação seja o grande motor da ação, um fator no mínimo refrescante.

Os corredores da sala de redação são o grande palco, explorados na perfeição em grande planos de sequencia, em detrimento das recorrentes investigações de terreno e interrogatórios que Hollywood tanto gosta. Para muitos esta descrição poderá deixar uma impressão de um filme enfadonho e deveras limitado, mas não. A tensão nunca está ausente por completo, já que os factos que alimentam o filme são por si só suficientemente intriguistas para nos manter de olhos colados na tela.

Interessante é também a forma como o filme revela os métodos de pressão ilegítima exercidos pela igreja católica, de forma a controlar denuncias e suspeitas, revelando uma qualidade quase maquiavélica impossível de justificar e aceitar num estado secular. Ao fazê-lo de forma tão competente, O Caso Spotlight torna-se intocável e resistente a qualquer critica, caso raro na história recente de Hollywood.

Apesar dos vários pontos altos do filme, é, de forma singular, nas performances de Rachel McAdams e Mark Ruffalo que o filme mais se notabiliza. Não é só McCarthy que se recusa a entrar por caminhos sensacionalistas. A quase total ausência de conflito ao longo do filme é compensada pelos dois atores que melhor personificam a contenção do enredo. Sempre sóbrios e maduros, não têm necessidade de entrar em grande monólogos moralistas que tão frequentemente mancham os filmes do género. Se no caso de Ruffalo é impossível ficar surpreendido, já que há muito que nos vem agraciando com performances de luxo, o caso de McAdams é sem duvida um abrir de olhos, justificando muitos do louvores do passado recente que a veem anunciando como uma das maiores esperanças de Hollywood.

Num ano em que os escândalos de pedofilia parecem marcar passo no mundo do cinema, principalmente após o grande sucesso mundial de El Club do chileno Pablo Larraín, o cinema norte-americano parece não lhe querer ficar atrás. E para surpresa de muitos, acabou por lançar um filme digno e fiel seguidor de obras de culto como Os Homens do Presidente de Alan J. Pakula ou Escândalo na TV de Sydney Lumet. Como tal, o novo filme de McCarthy não só é um dos filmes obrigatórios de 2015 como rapidamente se está a tornar um documento histórico para mais tarde referenciar.


Fernando Vasquez

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