Sexta-feira, 19 Abril

«The Hunger Games: Mockingjay – Part 2» (The Hunger Games: A Revolta – Parte 2) por Hugo Gomes

Em Os Jogos da Fome sentimo-nos enganados, burlados com as etiquetas que são constantemente atribuídas para catalogar os filmes e especificá-los às estatísticas e estudos de mercado. Sentimo-nos desencantados com a própria noção de cinema adolescente, ou até do preconceito envolto do blockbuster, esses filmes de grande orçamentos cujos mais puristas acreditam somente ser “isco” para massas.

Não, Os Jogos da Fome são um fenómeno, acima do cinema propriamente dito e nisso podemos evidenciar a influência da sua protagonista, Katniss Everdeen, a Joana D’Arc do novo século, conseguindo movimentar multidões, dentro e fora do ecrã. Na Tailândia, por exemplo, a sua figura e o respetivo cenário motivaram uma nova geração, cansada de sentir oprimida, a rebelarem contra o sistema no qual estão inseridos. É esse tipo de manifestação que faz concentrar réstias de esperança quanto ao poder do cinema, não somente como uma força de entretenimento mas sim como uma viabilidade de expressão.

Contudo, é de ficar pasmados pela grandiosidade da produção e a sua simbiose por uma ácida e constantemente cínica teia político-social, até porque a franquia evoluiu: é mais do que romance e ação, é um espelho atualizado que se transforma consoante a nossa ideologia, imaginação e crença. Nesse sentido, Katniss, que para muitos é uma heroína, pode ser vista como uma mártir ou até uma equivocada figura antagónica, sem saber ao certo a sua posição.

A personagem interpretada por Jennifer Lawrence é um ícone de guerra, manipulada pelos medias e pelas forças politicas que assombram uma distopia futurista. Ela não é omnipresente, eticamente perfeita e incontestável, simplesmente é uma jovem, com todas as conotações e gestos instintivos que isso lhe traz. É um peão num jogo de adultos, um tabuleiro de peças bélicas, onde a verdadeira guerra se faz longe dos olhares dos infantes.

The Hunger Games: A Revolta – Parte 2, a parte que corresponde ao terceiro livro de Suzanne Collins, é uma alegoria de guerrilha cantada sobre pautas matrizadas do cinema mais lúdico e inconsequente, assim sendo temos a nosso dispor as habituais sequências de ação e o romance trágico que qualquer adolescente sonha viver, para além dos elementos dignos da ficção científica que esclarece que todo este palco é pura fantasia, e que qualquer similaridade política é pura coincidência.

Novamente com Francis Lawrence encarregue na realização, o filme avança sorrateiramente no seu percurso narrativo, tentando a todo o custo contornar as personagens descartáveis que surgem neste enredo, sabendo que nem todas podem ser salvas desse anorexismo, até porque a verdadeira atenção encontra-se na nossa estrela, a nossa Katniss que brilha em todos os sentidos. Se a atriz encanta com a sua performance, é nos argumentistas que se evidencia um trabalho esforçado em compô-la.

Do outro lado do conflito, Snow, o assumido “vilão”, um ditador vampírico que parece prover da postura e presença de Donald Sutherland que encontra em The Hunger Games: A Revolta – Parte 2 um forma de marcar um dos seus melhores e actuais registos. Uma das improbabilidades que este capítulo conseguiu com garra foi a química emanada por ambos, numa das sequências mais vitais deste enredo, providas de um dos muitos twists que invocam uma acidez e por sua vez, o referido cinismo a nível politico, tão delicioso como refletivo.

A obra contrai aqui um tom mais pessimista, negro e sobretudo desferido como expressionismos melancólicos que opõem o seu eventual “happy ending“, confiantemente prolongado por uma longa elipse. No final de contas, como a própria Katniss afirma em um dos atos “eu também tenho pesadelos“, a desilusão de uma geração que acreditou piamente em mudanças perpétuas e em veracidade nos sistemas governamentais. Sim, essa Katniss é sobretudo parte íntegra de uma vaga, hoje formada pelas crianças de ontem e pelos adultos de amanhã.

Dividido entre o espetáculo corriqueiro de uma Hollywood para massas e as suas ousadias que se espalham como mensagens subliminares, o filme resulta, até à data, no melhor do franchise, inserindo-se numa versátil crítica politica que desafia as suas próprias definições de maniqueísmo. É que neste tipo de conflitos, não existe nem “bem” nem “mal”, somente escolhas idealizadas.

O melhor – As provocações e a sua ambiguidade política.
O pior – um ou outro fator que tem forçadamente preencher os protocolos de ação e de júbilo das suas audiências.


Hugo Gomes

 

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