Sexta-feira, 29 Março

«45 Years» por Roni Nunes

Eles me perguntaram como eu sabia/Que o meu amor era verdadeiro/Claro que eu respondi/Há alguma coisa dentro de mim que eu não posso negar (…)/Quando temos o coração em chamas/O fumo entra pelos olhos… Mesmo quem não seja particularmente fã do clássico pop Smoke Gets in your Eyes, depois deste filme ficará com os seus versos a ecoarem pela mente. Com a precisão de um relógio e um achado de inspiração, o argumentista/realizador britânico Andrew Haigh enquadrou todo a verdade do seu filme nestes simples versos de um velho standard da música popular.

Pôr um dúvida um amor “verdadeiro” (com as assustadoras consequências que isso implica) às vésperas das serenas comemorações de 45 anos de casados não é particularmente o desejo de Kate (Charlotte Rampling). Mas, quando seu marido Geoff (Tom Courtenay) recebe uma carta e passa a ter comportamentos “estranhos”, ela entra num vórtice imparável de escutas, observações, recolha de indícios tentando negar (sem conseguir) o que parece ser inegável. A correspondência informava seu “amor” de que o corpo da sua primeira namorada, morta num acidente nos Alpes Suíços há 50 anos, foi encontrado intacto depois de ter ficado congelado.

Partindo da placidez dos interiores ingleses captados de forma plástica pela fotografia que exala serenidade, Haigh vai introduzindo a dúvida num filme de diálogos onde os contínuos closes e foras de campo inspecionam as verdades escondidas e as emoções inconfessáveis. Apesar de ser feito por um homem, há muito de feminino neste forma de dissecação da realidade a partir da penumbra.

O problema da decrepitude é a perda do sentido de finalidade“. A terrível precisão deste comentário de Geoff poderia arrastar este 45 Anos para o território de Amour (Michael Haneke) mas o foco da abordagem à terceira idade aqui é mais prosaico e menos carregado de peso existencial e devaneios simbólicos: mais do que no sentido da vida, Haigh investiga a natureza do amor, do compromisso e do casamento. O que também não é pouco.

Com um filme que vive e respira para transcender-se em dois momentos (as cenas no sótão e a sequência final), 45 anos nem sempre tem todos os espaços bem preenchidos e é menos intenso do que poderia – mostrando alguns longos planos do quotidiano que, mais do que estilismos de “arthouse”, assemelham-se com falta do que dizer.

O Melhor: os seus dois grandes momentos – as sequências do sótão e o final.
O Pior: alguns espaços não bem preenchidos pelo argumento. 


Roni Nunes

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