Quinta-feira, 18 Abril

«Dead Slow Ahead» por João Miranda

 

A vida no mar nunca foi glamorosa. Meses (ou anos) no mar, longe de família e amigos, num espaço confinado (que parece ficar mais pequeno com o tempo) e com uma equipa mínima, trata-se de uma vida desgastante a nível físico e psicológico. A nossa vida globalizada é dependente dos vários meios de transporte que temos, sendo o marítimo um dos mais importantes. Normalmente, estas redes de transportes são completamente invisíveis, surgindo só quando há problemas com elas (greves, piratas, etc.). A importância de documentar e trazer para a consciência pública as várias profissões (desvalorizadas e mal pagas) sobre as quais assenta o capitalismo tardio torna-se algo importante para o estabelecimento de uma consciência política global. Dead Slow Ahead parece propôr-se a isso. Para isso, acompanha o cargueiro “Fair Lady” numa das suas viagens a carregar trigo.

O ritmo, do cargueiro e do filme, é glacial, como sugere o próprio título do filme, uma referência às várias velocidades possíveis numa embarcação. O discurso surge só quando as imagens se revelam insuficientes para explicar as situações vividas ou, mais para o final, quando se quer demonstrar a alienação provocada pela distância. Motivado pela ideologia, Mauro Herce, pretende demonstrar a forma como a tecnologia devora as vidas e as identidades de quem trabalha dentro dos sistemas capitalistas. Infelizmente, a forma como o filma, acaba apenas por reforçar essa ideia, sem conseguir mostrar qualquer forma de resistência ou crítica. Todos os contextos sócio-económicos são ignorados e o trabalho humano é (quase todo) substituído pela tecnologia. Da forma como é filmado, poderia ser usado tanto contra (como o realizador pretende), como a favor deste capitalismo tardio.

Mais uma vez, a obsessão pela forma e pela imagem sobrepõe-se a qualquer intenção política e, dentro do paradigma do cinema actual, há uma incapacidade de o perceber ou evitar. Pior, como seria de esperar, o filme tem sido bem recebido e até ganhou um prémio em Locarno. Na preocupação de questionar e de desconstruir o meio , o paradigma vigente neste momento mostra-se perfeitamente incapaz de criticar ou por em causa as questões político-económicas da sociedade actual. Quando nos vamos deixar desta infantilidade?

O Melhor: A imagem.
O Pior: Apenas a imagem.


João Miranda

Notícias