Quarta-feira, 24 Abril

«Balikbayan #1» por João Miranda

Ao contrário do que se pensa, a História não é fixa. Mais do que uma versão autoritativa, o que todas as ciências fazem é apresentar narrativas que consigam explicar os factos conhecidos e, preferencialmente, prever outros, para avançar a pesquisa. As primeiras versões de História que conhecemos eram orais, mais preocupadas com os valores que queriam passar do que com a fiabilidade ao que aconteceu. No Ocidente, onde foi desenvolvido o conceito tal como o conhecemos, sempre houve uma tendência para reforçar a ideia do nós contra eles, não só fazendo leituras deturpadas de acontecimentos verídicos, mas chegando mesmo a negar (nem sempre de forma consciente) a existência de algo semelhante para os outros. Foi só recentemente que se começou a colocar em questão o etnocentrismo da disciplina e se começou a procurar de forma activa versões alternativas que conseguissem compreender outras regiões e povos.

Em Balikbayan #1, Kidlat Tahimik (realizador conhecido pela sua iconoclastia para com a História, especialmente os movimentos colonialistas) pega em Henrique de Malaca, escravo de Fernando de Magalhães e inventa (mantendo uma ténue ligação com os factos) toda uma nova abordagem, conseguindo mostrar e criticar a forma como o Império se estabelecia, pela força, pela língua e pelos costumes. Paralelo a isso, Tahimik vai documentando também a sociedade filipina contemporânea, com as suas tradições e a sua arte, e a forma como tenta incorporá-las na vida moderna.

O filme é delirante, de estéticas e visões estranhas, mas tem um problema. Não é a fiabilidade histórica, é óbvio que as liberdades tomadas são-no feito de forma consciente e mesmo provocadora. É a sua ambição desmedida. Para o percebermos, basta olhar para o título completo do filme: Balikbayan #1 Memories of Overdevelopment Redux III. Para além da crítica à visão colonialista da História e de retratar as Filipinas modernas, pretende também apresentar uma crítica ao Capitalismo, tendo para isso algumas cenas coladas com cuspo. Essa ambição (e alguma desestruturação cronológica no final do filme) faz com que perca o impacto e a alegria contagiante inicial e que o cansaço se imponha antes do final. Se, por vezes, a ambição compensa, neste caso, não.

O Melhor: A História delirante inventada.
O Pior: O querer meter tudo e mais um par de botas no filme.


João Miranda

Notícias