Sexta-feira, 19 Abril

«Talvez Deserto Talvez Universo» por João Miranda

Documentar realidades que nos são remotas e estranhas é sempre um exercício complicado. Tentar evitar posições de julgamento ou tendenciosas e mostrá-las de forma honesta e sem sensacionalismos, ao mesmo tempo que se sabe o impacto que uma câmera e a nossa subjectividade têm, exige um acto de malabarismo que muitos tentaram e falharam. Talvez Deserto Talvez Universo foca-se numa instituição destinada a lidar com realidades desse tipo, no quotidiano e na humanidade destas. Se evito nomeá-las é porque o filme faz o mesmo: só a mais de metade percebemos realmente o que estamos a ver. E é importante fazê-lo porque, assim, consegue que os espectadores não tragam consigo as expectativas do que pensam poder encontrar num sítio assim.

Se esta estrutura é uma das suas forças, o filme tem também algumas fraquezas. A primeira é a forma como filma a instituição como sendo pouco mais do que o local físico. Percebe-se que a escolha é a de se focar nas pessoas que se encontram dentro da instituição, mas há vários planos cujo papel se parece reduzir ao formal, concentrando-se na arquitectura e na própria imagem captada. O que nos leva ao segundo ponto problemático: a escolha de filmar a preto-e-branco. Há também nesta escolha uma redução do trabalho efectuado pelas pessoas na instituição e a procura de estetizar uma realidade que, já de si, nos é alheia.

Talvez Deserto Talvez Universo poderia ser mais completo e mais honesto se tivesse evitado estas duas armadilhas formais que, aposto, devem ter parecido mínimas na sua produção, mas não são estes os pontos que o tornam num mau filme. O esforço e o cuidado óbvios na filmagem transparecem no produto final e, mesmo com esses problemas, tornam-no num documentário sensível e interessante, talvez até um acordar de consciências sobre um assunto que, não só habitualmente nos passa ao lado, mas que aparece mesmo como os limites dos mapas antigos, povoados por monstros e criaturas assustadoras.

O Melhor: A estrutura.
O Pior: As escolhas formais.


João Miranda

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