Quinta-feira, 18 Abril

«Setil» por João Miranda

Gostava de poder descrever este filme, mas, o pouco que sei sobre ele foi o que o realizador disse antes da sessão e a pequena descrição que surge no programa do Doclisboa. Já escrevi sobre isto antes. Não sobre este filme em específico, mas sobre outros como este, que abandonam qualquer contexto e se entregam somente à imagem, num exercício académico e de cegueira intelectual. Sim, pode argumentar-se que há algum texto neste filme, mas esse pretexto é fragmentário, incoerente e abandonado ao final de alguns minutos. Se este fosse um showreel de um futuro diretor de fotografia, seria exemplar, mas não é. Tentemos então descrevê-lo.

Uma pesquisa rápida revela mais informação do que todo o filme e as fontes que citei. Setil é uma pequena aldeia no concelho do Cartaxo onde há uma estação de comboios. A desativação da estação fez com que as casas dos trabalhadores ferroviários fossem também sendo abandonadas. Se houve trabalho de pesquisa sobre a realidade destas pessoas, o sonho republicano do desenvolvimento do comboio, a desertificação e as teorias neoliberais que levaram ao fecho de tantas estações ou algo semelhante, não é visível. Aliás, essa é a palavra-chave aqui: visível. Foi só sobre o que conseguia ver que Tiago Siopa se focou e, como as novas correntes do ensino não sabem fazer melhor, foi isso que validaram e lhe fizeram acreditar ser cinema. Houve um momento em que, com apoio em documentos, o filme quase que consegue dar o contexto que falta às imagens (ainda mais redutoras porque só se focam em texturas e detalhes), mas algo levou à escolha de deixar de o fazer, fazendo com que um filme de quase duas horas (115min) se torne numa pena dura de se cumprir.

Organizado como se fosse um dia inteiro (acho), há uma secção no filme que foi filmada à noite. Uma longa secção que se arrasta no escuro, numa brincadeira de luz e (muita) sombra. Tanta que a sinalização da saída brilhava como a lua cheia na sala escura. O pior é que esta tinha mais interesse, parecia simbolizar a luta que sentia dentro de mim entre ficar até ao fim do filme ou sair da sala. Resisti e fiquei, mas acho que não ganhei com isso. Faço minhas as palavras de uma das pessoas que estava dentro da sala comigo. Quer dizer, digo palavras, mas quero dizer roncos. O senhor dormiu durante grande parte do filme e ressonava com prazer. Fiquei cheio de inveja! Aposto que teve uma sessão de cinema bem melhor do que todos nós que estávamos acordados.

O Melhor: A fotografia.
O Pior: Outro exercício académico.


João Miranda

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