Sexta-feira, 29 Março

«Starry Eyes» (Amaldiçoada) por Roni Nunes

Nas primeiras cenas, Sarah (Alexandra Essoe) olha-se no espelho repetidas vezes. Não é só uma questão de aparência, mas também de identidade: ela não se reconhece no mundo cinzento onde vive – num subúrbio qualquer de Los Angeles, cercada de “amigos” com os quais não simpatiza realmente e a trabalhar como empregada de mesa num destes horríveis fast food familiares que exigem dela “atuações” ridículas. Diante disto, não existe nada de reprovável que ela lute por uma vida melhor tentando um papel no cinema; a questão é até onde ela está disposta a ir.

A primeira parte é imperdível. Os realizadores Kevin Kölsch e Dennis Widmyer seguem a sua leading lady pelas suas angustiadas audições, criando um ambiente atroz ao reproduzir com enorme eficácia o limite perigoso entre a ingenuidade, o desespero e o desejo por onde ela transita. A escalada de tensão culmina numa sequência sensacional no gabinete de um produtor (Louis Dezseran), que confere à cena uma aura sinistra enquanto filosofa sobre a ambição (“o mais negro dos desejos humanos“), a indústria do cinema (“uma praga composta de ratos – famintos por um queijo, adorando a sua divindade de plástico e deboche“) e a condição humana (“o que me interessa é a feiura do espírito humano“) – antes de virar o jogo para ela: “E você… por que você faz isso?”

O casting e a direção de atores são perfeitos e cada personagem secundário deixa a sua marca, em especial os entrevistadores vividos por Maria Olsen (de Paranormal Activity 3) e Marc Senter. A partir daí, infelizmente, é sempre a descer. Subitamente, os realizadores parecem se ter lembrado de que não queriam fazer “apenas” um filme de horror interiorizado na tradição de um Roman Polanksi, o que certamente lhes exigiria um uso maior dos neurónios, para enveredar pelo terror visual. Abandona-se a economia e abraça-se o excesso.

Tratando-se de um filme de transformação (entre as metáforas está a questão do “cabelo”, que ressurge no final) essa passagem de borboleta para lagarta começa por tornar Sarah uma espécie de Dorian Gray com o seu próprio corpo em vez do quadro a assumir os seus “desajustes” morais.

Mais temerário é quando, após um pacto faustiano, o filme transita para um gore na fronteira do ridículo pelo seu caráter over the top que, se não deixa de ser divertido, também empobrece o conceito. Ainda há nuances de zombies, satanismo e até de sci-fi numa mistura não tão bem colada quanto isso. Para enquadrar os atos mais violentos, torna-se notório o desaparecimento da força emocional alcançada no início. Ainda assim, está dado o recado: parafraseando o publicitário Oliverio Toscani, a celebridade “é um cadáver que nos sorri“…

O melhor: a primeira parte é terrífica, a direção de atores é excelente e os personagens têm espessura.
O pior: a incursão pelo gore over the top, que é divertida mas empobrece a abordagem.


Roni Nunes

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