Quinta-feira, 25 Abril

«João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas Que Eu Amei» por Duarte Mata

Belíssimo o esforço de Manuel Mozos em retratar de forma honesta e comovente quem foi, porventura, o maior e o mais amado dos cinéfilos portugueses, João Bénard da Costa (1935-2009), neste seu filme Outros Amarão as Coisas Que Eu Amei, título emprestado de um verso de Sophia de Mello Breyner Andersen sobre a inevitabilidade da morte, mas também da possibilidade de transparecer um diálogo entre os que eram e são, pela arte ou a terra em comum.

É portanto esta obra um registo otimista e não um lamento saudoso do ator, ensaísta, crítico e antigo director da Cinemateca. Mas, como fazer um documentário sobre uma personalidade sem cair no sentimentalismo forçado que assola tantos do mesmo género? Principalmente retratar o papel de um homem que mostrou que, se o cinema é arte, discuti-lo também não deixa de o ser mas, muito pelo contrário, é um prolongamento essencial da experiência e, como é dito no filme, só assim é provado o seu mérito, sem domar de forma oportunista o retratado como um santo? Mozos responde com o instrumento mais violento que poderia ter: os filmes que marcaram a vida de Bénard da Costa. Sobrepondo excertos das várias análises deste último, revê-mo-los e percebemos que nunca os tínhamos sequer visto (para os interessados Ordet, The Ghost and Mrs. Muir e o predileto Johnny Guitar são apenas alguns deles). Haverá caso mais concreto de uma adaptação de críticas cinematográficas para o grande ecrã? Não cremos.

Mas não é só de filmes que se fala… os locais e as pessoas amadas por Bénard da Costa surgem ao de cima para refletir a sua faceta mais humana, os dramas pessoais e de como podem ter vindo a ter influência na forma como via cada obra. E é curioso como este aproveitamento de filmes como formas de influência ou objetos influenciáveis foi já alvo de Se Eu Fosse Ladrão Roubava de Paulo Rocha, estreado também este ano e que parece rumar à mesma conclusão que Outros…. Hagiográfico, suspeitam? Não, o único santo aqui é também o maior pecador, objecto de sabedoria e da mais carnal das luxúrias, pai dos fortes de espírito e megera dos fracos de alma: o cinema por si.

O melhor: Retrato de uma vida pelos filmes que a marcaram.
O pior: Tendo Bénard da Costa uma vida tão extensa como ao número de filmes que viu, poderia ser mais longo.


Duarte Mata

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