Quinta-feira, 28 Março

«600 Miles» por Paulo Portugal

A secção Horizontes Latinos é uma das mais férteis do Zinemaldia. É a força da raça latina, aqui numa fértil colaboração entre o neto de Alfredo Ripstein (um dos principais expoentes da época de ouro do cinema mexicano) e o realizador e produtor Michel Franco (que colaboram juntos também na produção do mais recente Leão de Ouro, Desde Allá e ainda Chronic, todos eles exibidos no festival do País Basco). Digamos que é um cinema que se entranha. Não só pela atitude expectante de uma câmara que adota um ponto de vista seguro, como se fosse visada. Talvez porque estamos na zona de fronteira entre o México e os EUA, onde se admiram, testam ou compram armas de fogo como numa loja de conveniência. Mas onde também os empregados diligentes pedem a identificação a jovens que compram tabaco, mas depois de já terem passado o código de várias caixas de balas de alto calibre. O motivo é sempre a caça, mesmo que as automáticas com perfil militar estejam à mão de qualquer um.

Há, claro, idas e vindas para o lado de lá e de cá da fronteira, controlada a meias pelo cartel de Sinaloa e pelos federales. Há também um ingénuo e diligente Arnulfo Rubio, interpretado com delicadeza por Kristyan Ferrer, confiante em subir na hierarquia da família de traficantes de armas; mas há ainda um agente pacato, quase não se dá por ele, defendido com a descontração habitual de Tim Roth. Entre ambos acabará por nascer uma inesperada relação, fruto de vivências de ambos, pouco pacíficas, de resto, mas onde acaba por imperar alguma razoabilidade. E é aí que Ripstein se centra, deixando-nos ao sabor deste inesperado road movie de sobrevivência que frequentemente se reinventa e força estas homens de lados opostos a experimentarem o seu reverso. Mesmo depois de um final em que começamos a seguir os créditos, mas em que continua a decorrer uma ação em pano de fundo. Mais do que o tráfico de armas, vive-se aqui mais um tráfico de relações humanas.


Paulo Portugal 

Notícias