Sexta-feira, 29 Março

«Paulina» por Paulo Portugal

O vencedor do prémio Fipresci da Semana da Crítica deste ano é um objeto provocante do ponto de vista cinematográfico e que mexe, ou talvez melhor desafia, a nossa consciência. Mas é talvez essa a proposta assumida pelo argentino Santiago Mitre, argumentista e colaborador habitual de Pablo Trapero. Apesar de termos de empregar aqui a palavra ‘remake’, porque inspirado num original de Daniel Tinayre, com o mesmo título original, La Patota, de 1961, em que uma mulher é violada por um gangue, existe em Paulina uma opção de título mais calhada. Até porque a personagem da atriz Dolores Fonzi carrega o filme inteiro aos seus ombros.

Paulina é uma mulher idealista que decide interromper a sua pós-graduação e abandonar a advocacia em Buenos Aires para prosseguir um projeto arriscado de incutir os mais básicos fundamentos políticos numa província rural da Argentina bem perto da fronteira com o Paraguai. Apesar de contar com a oposição do pai, um juiz de princípios igualmente vincados, embarca nesta aventura que cedo se vem a revelar um desafio bem mais duro do que o esperado. Não só pela arrogância e desinteresse dos alunos como ainda pelo trauma de ser violada por um grupo de jovens, ampliando ainda mais a prova das suas mais férreas convicções.

Adotando um estilo de sucessivos flashbacks, onde se acompanham as visitas a médicos, à polícia e mesmo com o seu pai e namorado, bem como com os principais suspeitos, vamos assim reconhecendo melhor as motivações que levaram Paulina a encarar este trauma de forma tão inesperada e tão pouco levada pela emoção. O que só confirma por parte de Dolores Fonzi uma das interpretações mais fortes dos filmes que vimos em todo este festival. E a sua opção radical é o elemento que sublinha a motivação pela qual acabara por abandonar uma vida privilegiada para se entregar parte de si para ajudar da forma que puder aqueles a quem o futuro nada interessa por falta de referências. Fácil seria enquadrar o seu comportamento fruto de um arrebatamento heroico e missionário. Não é isso que nos transmite Paulina. Há algo mais profundo que nos cativa irremediavelmente.


Paulo Portugal 

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